18 de abr. de 2017

100 anos de polêmica. Uma fonte e um cano

Texto publicado na página 2 do Jornal Cruzeiro do Sul de 18 de abril de 2017
http://www.jornalcruzeiro.com.br/editoria/10/artigos

Paulo Celso da Silva
com Míriam Cristina Carlos Silva


A história e os desdobramentos da obra Fountain merecem destaque pela criatividade como Duchamp trabalhou a sobrevivência midiática das obras


Este 2017 marca o centenário de uma obra artística que segue gerando polêmica, seja por sua natureza ou por seu conceito. Falamos da Fountain de Marcel Duchamp. Tratou-se de um urinol, fabricado em série industrialmente que, mesmo cem anos depois, tem um custo baixo sendo, o preço para o modelo ‘‘Commercial Wall Mount Urinal – White Porcelain, By Sloan’’, em US$ 198,18 a unidade. O diferencial, para outros urinóis existentes até então, foi a assinatura com pseudônimo de ‘‘R. Mutt 1917’’ e enviado para participar da mostra coletiva da Society of Independent Artists, da qual o próprio Duchamp era jurado.
Podia ser uma descrição simples, se considerássemos, como no senso comum, apenas sua forma. Fountain, apesar de sua simplicidade, guarda uma proposta artística muito importante para o século 20, pois os readymade, como essa série de obras de Duchamp é chamada, busca nos produtos, industriais um novo sentido. O artista, ao mesmo tempo em que questiona a sociedade industrial e seus valores, também homenageia a diversidade e a criatividade humana para fabricar tantas coisas passíveis de serem reinterpretadas pela arte.
Seus companheiros de jurado não entenderam a provocação, a proposta de refletir a própria essência da arte contemporânea no início do século 20. Falou-se em plágio, em transformar a arte em peça de banheiro. É notória a resposta de Duchamp, escrevendo, de forma anônima, para a revista Blindman: ‘‘Se o Sr. Mutt com suas próprias mãos fez a fonte ou não, não tem nenhuma importância. Ele escolheu. Ele tomou um artigo comum da vida, colocou-o de forma que seu significado útil desapareceu sob o novo título e ponto de vista - criando um novo pensamento para esse objeto’’.
A história e os desdobramentos da obra Fountain merecem destaque pela criatividade como Duchamp trabalhou a sobrevivência midiática das obras. Primeiramente, poucas pessoas conheceram e viram a Fountain original, aquela que foi enviada para os ‘Independentes’ os jurados julgarem pois: ‘‘Uma semana depois da Society of Independent Artists recusar- se a exibir o trabalho, Duchamp transportou o urinol para a 291 Galeria de Alfred Stieglitz, onde Stieglitz a fotografou sob iluminação teatral na frente de uma pintura expressionista. Este é o único registro visual remanescente da Fountain original. (Funcke, 2014, p. 277).
A Fountain primeira desapareceu depois de ser registrada fotograficamente.
Outra forma de registro foi pela escrita na revista BlindMan. Duchamp parece indicar outras maneiras de se pensar, fazer, registrar e editar a obra de arte e, ainda, questionar os sentidos de original, cópia e simulacro.
Interessante frisar que, para Duchamp, o primeiro readymade foi God (1917), criado pela baronesa Elsa von Freytag-Loringhoven e Morton Livingston
Schamberg com um pedaço de cano. Do registro fotográfico feito por Morton Livingston Schamberg, sobraram sete fotos, sendo quatro da obra God e três de panorâmicas de New York. Duchamp observava, com a mesma irreverência do título da obra que ‘‘As únicas obras de arte da América são seu encanamento e suas pontes’’.
Em 1966, Duchamp afirma: ‘‘Eu percebi logo o perigo de repetir indiscriminadamente essa forma de expressão e decidi limitar a produção de ‘readymades’ a um pequeno número anual’’. Dessa forma, Duchamp indica ter completo domínio do processo a que se dedica com as obras e da maneira como elas podem ser referenciadas pelas mídias.
Durante o centenário das duas obras, God e Fountain não deixaram de gerar inquietações e estranhamentos, mas não seria isso mesmo que uma obra deve causar?


Paulo Celso da Silva é professor do programa
de Mestrado em Comunicação e Cultura da
Uniso (paulo.silva@prof.uniso.br)

Míriam Cristina Carlos Silva é professora do
programa de Mestrado em Comunicação e Cultura
da Uniso (miriam.silva@prof.uniso.br)








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