Arteiras


"Mulheres arteiras" são homenageadas
em livro e em exposição fotográfica*


O livro é resultado de uma série de artigos publicados pela
escritora e doutora em Comunicação, Míriam Cris Carlos 
e as fotografias, em preto e branco,
foram produzidas pelo fotógrafo Werinton Kermes


O livro retrata de forma poética 21 mulheres de Sorocaba. O lançamento está marcado para 08 de março de 2008, Dia Internacional das Mulheres, no Esplanada Shopping, às 19h.
O projeto teve início em 2005, quando a escritora publicou semanalmente no caderno “Ela”, do Jornal Cruzeiro do Sul, artigos que prestam uma série de homenagens ao relevante trabalho dessas artistas e produtoras culturais da cidade. Em 2007, foi dado prosseguimento ao projeto “Arteiras Sorocabanas”, totalizando 21 textos. “Entendo a arte como manifestação maior da cultura, como elemento de transcendência e de comunhão entre os homens e o Cosmos, daí a importância destas mulheres, representantes de muitas outras artistas, que igualmente merecem todo reconhecimento e homenagens”, explica Míriam.
Além desses textos, o livro conta com fotografias, em preto e branco, realizadas pelo fotógrafo Werinton Kermes. “Unimos essas duas expressões artísticas, a poesia e a fotografia, para ressaltar e valorizar ainda mais as nossas arteiras. Acreditamos que a cultura dá mais sentido à vida, à medida que proporciona a reflexão e amplia a visão de mundo, por isso, a importância de valorizar essas agentes propagadoras de cultura”, comentou o fotógrafo. O livro e as fotografias contaram com a produção da jornalista Luciana Lopez.
As mulheres homenageadas são: Ana Maria Duarte, Cleide Riva Campelo, Denise Galli, Diva Von Krakauer Hubner, Edméia Pereira, Elaine Buzato, Ismênia Rogich, Janice Vieira, Landa Lopes (em memória), Letícia Barreto, Lúcia Castanho, Luciana Lopez, Lulé Castilho, Márcia Mah, Maria da Glória Souza, Maria Virgília, Marisa Macambyra, Matilde Santos, Melany Kern, Nilceia Récio e Zilá Gonzaga.
O livro é o segundo da Editora PROVOCARE e tem o apoio da Fundação Ubaldino do Amaral (Jornal Cruzeiro do Sul), Esplanada Shopping, Comunika Publicidade, Gráfica Paratodos e Transamérica Flat The First. O valor da venda dos livros serão doados ao GPACI.


Exposição

            Para comemorar a semana das mulheres, teve inicio no último dia 1º e prossegue até 09/03, domingo, no Esplanada Shopping, uma exposição do fotógrafo Werinton Kermes com as imagens, dispostas em banners de tecido, das Arteiras Sorocabanas. “Fiquei muito feliz com a oportunidade de retratar essas mulheres que representam a arte e a cultura de Sorocaba. Entendo a fotografia como uma relação de confiança entre as partes, e nesse trabalho, procurei preservar a individualidade e ressaltar alguns aspectos de suas personalidades e elas foram muito receptivas”, disse Kermes.
            Para o fotógrafo, a exposição representa um resgate do seu trabalho como fotógrafo. “Não faço um trabalho significante com fotografia desde 1996, quando realizei uma exposição e lancei um livro com fotografias na Estação Ferroviária de Sorocaba. É antigo o desejo de poder estar junto com a Míriam em uma obra literária e fotográfica”, declarou.



Serviço:

Exposição de fotos “Arteiras Sorocabanas”
Local: Esplanada Shopping
Data: de 01/03 até 09/03/2008

Lançamento do livro “Arteiras Sorocabanas”
Local: Esplanada Shopping
Data: 08/03/2008
Horário: 19h






*Demais reportagens publicadas podem ser visualizadas nas postagens do Blog de Míriam Cris Carlos, com a marcação "escritora".
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Jornal Cruzeiro do Sul  - 02/09/2007

A CIRANDA DE IMAGENS 
DE ELAINE BUZATO
divulgação
"Elaine pinta seu modo de ser, suas relações, seu espaço, seu contato com o Cosmo"
divulgação
Míriam Cris Carlos, professora e semioticista


Míriam Cris Carlos
Imagens que falam. Mais do que falar, imagens que gritam histórias e preenchem nosso imaginário, porque prenunciam algo que se deve completar em nós mesmos. Imagens que se abrem de fora para dentro, buscando nossa memória, nossas crenças e nossa liberdade.
A arte de Elaine Buzato alimenta nossa vontade de infância. Os traços são leves, delicadezas em expansão, somadas ao contraponto das cores fortes pela tela, mínima, entretanto, prenhe de detalhes, para os quais há a necessidade de uma observação mais atenta, observação continuada.
Um olhar não basta. É preciso estar com as imagens, passear por elas, adentrá-las. Na primeira mirada, a inspiração na•f. Em seguida, as raízes do ser-simples, a natureza, a música, o folclore. Tudo se anima e ganha vida pelas mãos que fazem do gesto de pintar uma caligrafia que é continuação do corpo e em sintonia com ele.
O corpo de Elaine, bailarina, move-se com a pintura, por isso seus quadros são, também, dança e música, na ciranda, na água, no dia feito noite, nos astros que viajam pelo céu, nas plantas que se animam, reincidências permanentes, pois nelas os desenhos ganham movimento e autenticidade.
Elaine pinta seu modo de ser, suas relações, seu espaço, seu contato com o Cosmo. É possível ler, nas pinturas de Elaine Buzato, a rotação contínua do universo. E Elaine, corpo livre nas telas do mundo e da imaginação, em sincronia com o trânsito da vida, reconstrói, permanentemente, sua própria história, que como tantas outras pode ser transitória, mas cheia de mágica. Plena de poesia.


Míriam Cris Carlos é professora e semioticista


A partir de hoje e por dez semanas publicaremos esta coluna, uma homenagem a sorocabanas que fazem Arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos

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Jornal Cruzeiro do Sul - 09/09/2005

MÁRCIA MAH: DA MENINA MIÚDA, 
 UM SOM SE AGIGANTA

DIVULGAÇÃO


Míriam Cris Carlos


Ela nasceu Márcia Maria, e a arte a fez Márcia Mah, de riso maroto, jeito brejeiro e um contralto que faz calar tudo à volta.
Impossível ouvir a Mah sem um silêncio pleno de reverência e estupefação. Impossível não notar que, da menina miúda, um som aos poucos se agiganta e engole todos os espaços possíveis. Sua voz potente gruda-se aos nossos ouvidos, pendura-se em nossas roupas, penetra pelos poros como dedos longos a nos tocar, suaves. Quem ouve a musa Mah é fatalmente invadido por um som quente, adocicado e negro.
Marcinha é uma caixa de surpresas. Atriz fundadora do "Grupo de Intervenção Performática Olho da Rua" (quem se lembra?); com ele, enchiam-se de poesia as manhãs e tardes centrais sorocabanas. Enchiam-se de poesia, de música, de perplexidade. Foi diretora do Teatro OFF, onde, em parceria com Mantovanni, Benão, Álvaro Ramos e outros, nasceu o "Curta Teatro", que viria a se tornar um dos mais importantes eventos teatrais do interior de São Paulo. Trabalhou como técnica na Oficina Cultural Grande Otelo, em uma das fases mais agitadas da cultura em Sorocaba, onde auxiliou a promover a oferta de formação, reflexão e sonho para muita gente de todas as idades. Ambientalista atuante, Márcia realiza uma série de trabalhos, especialmente da região do Vale da Ribeira, atividades estas que vão desde o cuidado com pequenos animais até projetos artísticos e de desenvolvimento sustentável para as populações ribeirinhas. Sua sensibilidade a preparou para amar gente, plantas e bichos. Ela não resiste a um cãozinho abandonado, e os bichos, por sua vez, parecem adivinhar, rondando a porta da moça à espera de um olhar comovido.
O que mais se admira em Márcia Mah, parafraseando o poeta Paulo Henrique (mais conhecido como PH), é o fato de que a Marcinha fala pouco, mas realiza muito. Múltipla, completa, engajada, transita muito bem por diversas formas artísticas, mas é sobretudo na música que, um vulcão, projeta toda a sua potência incendiária. Márcia canta com os olhos, com o corpo, com a alma, as vísceras, o útero.
Em "Apanhados", trabalho realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura (Linc) do município, Mah transforma com suas interpretações composições de artistas da terra, possibilitando conhecer a profunda beleza poética de Helô Mota, Landa Lopes, Maurício Toco e Marcos Boi. Revela-se, na voz de Mah, a ginga de Beto Cury, Tom Soares, Heron Altheman e Eraldo Basso, a ternura de José Carlos Fineis, a precisão de Cadmo Fausto e Nilson Lombardi, a quem Márcia vem dedicando-se de forma muito especial.
Da MPB ao Erudito, do Samba à Moda de Viola, do Rock ao Jazz e ao Blues, tudo explode, tudo renasce, tudo vira veludo, na voz de Márcia Mah.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.


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Jornal Cruzeiro do Sul, sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Melany Kern, 
a menina nascida para palco

“Eu amo o amor. O amor é vermelho. O
ciúme é verde. Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na
fotografia saem negros. Meu segredo é ter
os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu,
implorante, eu a que necessita, a que
pede, a que chora, a que se lamenta. Mas
a que canta. A que diz palavras.
Palavras ao vento? que importa, os ventos
as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos
uivantes me chama. Vou, bruxa que
sou. E me transmuto”.
(Clarice Lispector)





Ela nasceu no dia 11 de março de 1986 e desde menina conviveu com a arte e seus agentes, dentro e fora de casa, entre o Teatro OFF, o Espaço Cultural dos Metalúrgicos e a Oficina Cultural Grande Otelo, no começo, e, hoje, entre Sorocaba e São Paulo. O palco, não importa de que natureza,esteve e continua sempre presente em sua vida. O palco, os textos, os cenários, os figurinos, os sons e as luzes que recriam um mundo para que nele se possa habitar. Em “Retalhos” era ainda a criança cujos olhos brilhavam e dançavam ao som dos Beatles, no jogo da cena, da luz e da cor, como se o teatro fosse um de seus mais caros brinquedos. Era a princesinha suspensa nos ombros dos participantes, como inspirada aparição em uma torre, Ismália apaixonada pela lua e, além, refletida no mar. Diáfana e solta em leveza, a pequena musa aspergindo seu perfume nos confetes coloridos que nos atirava. Era a graça de ave solta em sonho que inebriava a todos, redemoinho de luz. Nela, menina, a vida da cena que se renovava a partir das crenças viscerais de Carlos Roberto Mantovani, o Manto, por quem foi dirigida, desde suas primeiras atuações, e que viria a ser uma de suas principais influências. Criança-atriz, promessa de continuidade e transformação, em um desígnio dignamente concebido, interpretado e levado a cabo. Foi também com Mantovani que, além de aprender, trabalhou e dialogou. Quando ingressou na universidade uma de suas vontades era ganhar repertório para discutir com ele. Seu primeiro professor foi Zé Bocca, grande contador de histórias. Mário Pérsico foi quem lhe deu a oportunidade de interpretar a personagem com a qual receberia dois prêmios de melhor atriz, o Manuel Lyra de Teatro, em 2003, e no Segundo Festival Livre de Teatro de Sorocaba, em junho de 2006, ambos com a personagem Macabéia, de “A hora da estrela”, texto adaptado do romance de Clarice Lispector. Ao escolher a dança e em seguida o teatro, dedicou-se e viveu intensamente as duas artes, e na busca persistente e certa de aperfeiçoar-se em sua escolha, ingressou no curso de Comunicação das Artes do Corpo da PUCSP, onde freqüenta o quarto ano. Está trabalhando atualmente em seu Projeto de Conclusão de Curso e até o final de 2007 pretende estar formada, com habilitação em teatro e dança. “A Febre” foi o seu último trabalho em cena. Neste ano, vem realizando a assistência de direção para Rodrigo Scarpelli na peça “Histórias Banais”, com texto de Carlos Roberto Mantovani, em que realizou, ainda, a concepção de iluminação. Menina-mulher, delicada, meiga, doce, sensível e amiga, talento e generosidade são duas qualidades apontadas por todos os muitos que a muito admiram. Gosta de TV, dos Simpsons e de Smallville, série sobre o super-homem adolescente. Aprecia animais e adora ouvir boa música. Apesar da cozinha não ser o seu forte, segundo a mãe, às vezes surpreende com uma nova receita que aprendeu com uma amiga. Adora a irmã mais nova, que está com nove anos. É o orgulho de seus familiares e do menino Caio, que faz o impossível para chamar a atenção quando na presença dela. Seu currículo, a despeito da pouca idade, é vasto e pontuado por textos clássicos, adaptações e obras de autores sorocabanos. Conta com um número enorme de peças realizadas, entre elas: “A febre”, “As feiticeiras de Salém”, “Canto dos fornos crematórios”, “Escola de mulheres”, “Anjo de pedra”, “O despertar da primavera”, “Ciao Fellini”, “A hora da estrela”, “O primo Basílio”, “Pluft o fantasminha”, “Todos os rios de Guimarães Rosa”, “Os corpos”, “O crime do Padre Amaro”, “As troianas”, Gota d”água”, entre muitas outras referências de peso. Melany Kern é cheia de sensibilidade e bom-humor. Está sempre rindo. Sabe, pelo teatro, conviver com a diferença, com aqueles tantos e muitos diferentes que atuaram e atuam ao seu lado, seus pares, como com tantos outros com os quais dialogou ao encarná-los, os muitos personagens que vem interpretando e ajudando a construir, no jogo de trocas afetivas que é experimentar viver para além da chamada “realidade”, e no risco de trazer à tona os outros seres dos quais somos compostos. A doçura dos grandes e falantes olhos castanhos, dos gestos, da graça delicada, repercute em seu nome doce e poético. Ela é Mel, um rastro de poesia caminhando com liberdade pelos palcos e pela vida, bailarina feita de um raio de luz azul, definitivamente escolhida pela arte e para ela.

Texto: Míriam Cris Carlos




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Jornal Cruzeiro do Sul - 16/09/2007
EDMÉIA PEREIRA -
ESFINGE A SER DECIFRADA

arquivo
Edméia Pereira e Eduardo Valverde fazem papel de mãe e filho em Até o Próximo Adeus, em 1988


Míriam Cris Carlos
Há os que digam que ela é difícil. Parafraseando Borges, só o difícil é estimulante. Ela é, sim, uma esfinge. Procuremos desvendá-la para não sermos devorados. Ou melhor, deixemo-nos devorar por ela: mulherão, sibipiruna, que não se dobra a qualquer chuva. Montanha que se ergue no horizonte, tremenda, fascinante. Edméia Pereira, olhos de Bette Davis e sorriso escancarado, movimenta-se pela arte com paixão.
Assessora parlamentar, membro da Confraria dos Cinéfilos, grupo de pessoas que amam cinema e se reúnem para ver filmes de bons diretores. Formada em Letras, atualmente é professora de leitura na Escola Estadual Ida Lanzoni de Barros, na Vila Zacharias. Visceralmente atriz e diretora de teatro.
Edméia é pessoa rara. Fala o que pensa, sem medo. Ainda acredita no socialismo, realizado plenamente na partilha de sua arte. Tem um cachorro chamado Jimi Hendrix e uma cachorra, Bia. Foi uma das idealizadoras do Cinebando Cineclube (1984 - 1987). Desenvolveu inúmeros trabalhos ao lado de Mantovani, Marisa Macambyra e Gai Sang, entre outros, junto à Biblioteca Municipal de Sorocaba, hoje Biblioteca Infantil. O prédio da rua da Penha, durante este período, transformava-se em prédio vivo. Aproveitavam-se todos os espaços, do quintal à recepção.
Provocou, à frente do Teatro do Sesi de Sorocaba, sonho, polêmica, estupefação, deslumbramento. Ali ministrou aulas de técnicas teatrais para crianças e adolescentes, dirigindo 18 espetáculos, entre eles, Medéia, Blue Moon, O Baile, A Fúria, Anjos & Cowboys, O Castelo do Bispo, Os Maus se Perfumam com Gasolina, Ritos do Amor e do Esquecimento e a Clara Cal da Lua. Nestas montagens, Edméia contava com duas parcerias fundamentais, os textos de Gai Sang e o trabalho coreográfico de Regina Claro.
Quando se anunciava a estréia de uma nova peça do Núcleo de Teatro do Sesi, imediatamente era criada uma expectativa que resultava em sessões sempre lotadas, incluindo-se alguns conflitos, provocados pelos que ficavam do lado de fora.
Edméia Pereira, ao propor uma direção que percebia o teatro como linguagem específica a ser experimentada, realizando uma proposta que envolvia forma e conteúdo, nunca procurou facilitar a vida do público. Fora de questão para Edméia conceder à audiência o consolo do diálogo fácil, do puro entretenimento, mas um complexo mundo de signos apresentava-se para ser incorporado, primeiridade, em termos da semiótica de Charles Sanders Peirce. Isto imprimiu à arte realizada por Edméia, marca autoral que serviu como referência a muitos de seus alunos, hoje espalhados pelo Brasil e pelo mundo; multiplicando a produção de sentido e perplexidade de toda arte que se quer, sim, complexa como a vida. Signos combinados com cuidado, que passavam pela direção exigente, pela leitura singular dos clássicos, moradia de nossos principais mitos e arquétipos, inquietantemente trazidos à luz pelo trabalho cuidadoso com o corpo, em alguns casos, apoiado também por José Carlos Campos Sobrinho, o Zeca, e Cleide Riva Campelo. Imagens plenas de sentido, nos figurinos e acessórios, e além dos textos originais de Gai Sang, a sua primorosa escolha da trilha sonora, pensada de modo a produzir efeitos a cada acorde.
Nada aleatório. Nunca unanimidade. Com a qualidade das coisas realizadas honestamente, o teatro de Edméia Pereira tem, sem dúvida, sua fúria inquieta, marca indelével de sua personalidade. Dentre as máscaras teatrais, acrescente-se esta, a de seu próprio rosto sem pintura. E nós, público, a ele reagimos, não sob o consolo do previsível, mas sim tecendo reflexões profundas a respeito da vida, do sonho e sobretudo do preço de sermos nós mesmos.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.
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Jornal Cruzeiro do Sul 23/09/2007

MARIA VIRGÍLIA - 
POR UMA POÉTICA DA RADICALIDADE
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arquivo
Míriam Cris Carlos
Uma primeira visada e surge Maria Virgília Frota Guariglia, a professora respeitável, pesquisadora aplicada e membro da Academia Sorocabana de Letras. Outra, mais demorada, e temos a Vi, envolta na arte que pesquisa, ensina e produz. A Vi, que não se contenta em boiar pela superfície das coisas, mas que mergulha fundo na poesia como forma de existência, como linguagem primordial e propósito que é não só estético, mas também radicalmente político, com todas as suas imprevisíveis conseqüências. A Vi e seu poético movimento pelo mundo, ao vestir-se, ao falar, em sua gestualidade e, especialmente, em seu olhar para tudo e todos.
Ela é a bruxa dos chás agridoces, que deixam na boca a lembrança e no ar, um perfume que não se pode repetir, porque não se pode imitar. Boníssima cozinheira, prepara carnes de tempero inigualável e um pão recheado que, para os que tiverem sorte, só se pode provar nas festas de fim de ano. Sua cozinha é um ritual poético. Maria Virgília é o encontro com a pura natureza, no amor por suas plantas, nas duas cachorras com quem ela conversa e para quem, de vez em quando, até dá aulas, na memória do Morro de Ipanema e de uma infância solta, sem amarras.
Houve um tempo em que ela escrevia contos e crônicas. Desta produção, ninguém mais tem notícia. Parece que muitos destes escritos foram parar na lata do lixo. Agora, portanto, habitam um espaço poético perdido, que só mesmo Virgília poderia resgatar. Injustiça, talvez a única que ela se permita cometer, e que prefere chamar de lucidez. Injustiça com os textos, injustiça com os leitores. Houve ainda um tempo em que ela foi membro do Grupo Imagem, fotografando pedaços inusitados de vida, graças a seu olhar de apurado senso estético, que segue em registros poéticos que não mais se revelam.
Pesquisadora constantemente inquieta, depois de assistir às aulas de um curso de pós-graduação ministrado na Uniso (Universidade de Sorocaba) pelos professores Amálio Pinheiro e Philadelpho Menezes, Virgília resolveu partir para um mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, onde elegeu os processos de tradução realizados por Amálio Pinheiro como seu objeto de estudo. Em seu doutorado, desenvolveu pesquisa sobre o soneto, linguagem que se descobre atual e sobre a qual se operam mecanismos radicalmente transgressivos, iluminados pela sagacidade da pesquisadora. Inquietação atrás de inquietação, foi ainda na PUC que ela conheceu o poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro e, encantada com as possibilidades poéticas para outros veículos que não o impresso, desenvolveu infopoemas, poesia realizada com as ferramentas da informática. Muita ousadia para quem nem mesmo digitava textos. Ousadia transformada em paixão. Hoje, Virgília, além de continuar produzindo infopoemas, ministra aulas de infopoesia para seus alunos do curso de Letras, na Academia de Ensino Superior, e já pensa em realizar uma pesquisa de pós-doutorado sobre o tema.
Professora de aulas minuciosamente preparadas, optou pelo caminho mais difícil, não se dobrar ao nivelamento rasteiro. Seus alunos, sabe-se, sofrem um pouco no começo, mas depois muitos destes tendem a se tornar tão exigentes quanto ela.
Criativa, generosa e livre. Ao buscar o mais fundo, ao não se contentar com o mínimo e ao não operar com a mediocridade e assim, ao optar por uma poética da radicalidade, poesia e poeta comungam na pessoa de Maria Virgília.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.


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Jornal Cruzeiro do Sul - 30/09/2005
               
DENISE: A ARTE DO DETALHE
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Ela emana o amor ao detalhe, o capricho, o zelo
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Mais que fotógrafa, artista da imagem, artesã da fotografia, Denise Galli consegue somar seu recorte do mundo ao acabamento manual na imagem revelada e já impressa

Míriam Cris Carlos
Denise Galli é a bela de fala mansa, olhar curioso, humor refinado e constante. É o cuidado quase Zen naquilo que produz. De um presente para uma pessoa amiga à casa onde habita, tudo tem um sentido e parece obedecer a um arranjo meticulosamente composto, refletido. Ela emana o amor ao detalhe, o capricho, o zelo. Ao passar por suas mãos, os objetos e os seres tornam-se frutos de uma artesania do bem-cuidar, que em muito se assemelha à contemplação e que talvez possa ser explicada no seu gosto poético por hai kais, poesia tradicional do Japão e de cunho meditativo.
Bióloga e professora, Denise tem como centro de suas preocupações a educação ambiental, a integração entre o homem e o seu meio, a botânica, a genética. Associando a fotografia como instrumento didático à prática docente, ela permite a seus alunos uma redescoberta, a percepção da beleza nas coisas mais mínimas, a harmonia e o caos daquilo que é vivo, as intervenções do homem na natureza.
Entusiasta da cultura, faz de todas as manifestações artísticas objetos para seu aprendizado e motes para transformar sua produção. Participativa, Dê Galli não dispensa os concursos, maratonas, mostras e principalmente as discussões sobre a arte fotográfica. Esta curiosidade e a abertura ao aprendizado constante é que a levaram às artes plásticas. Crítica e ao mesmo tempo utópica, sua fotografia, em constante mutação, sua experimentação de processos, foge à banalidade, ao comércio fácil e parece buscar a essência dela mesma, as muitas facetas que habitam todo artista. Dentre os principais projetos desenvolvidos por Denise Galli estão oficinas de fotografia na Oficina Cultural Grande Otelo, cursos no Senac e o livro Olhar pensante - retratos sorocabanos, realizado com o apoio da LINC (Lei de Incentivo à Cultura) de Sorocaba, importante trabalho de registro de nossa cidade sob diversos olhares. Neste livro, a contribuição de vários fotógrafos, organizados e instigados por Denise, permite ao leitor reconhecer, estranhar, pensar o espaço sorocabano, com todos os seus paradoxos, com toda sua beleza.
Mais que fotógrafa, artista da imagem, artesã da fotografia, Denise Galli consegue somar seu recorte do mundo ao acabamento manual na imagem revelada e já impressa. Seu gesto criativo envolve todas as etapas fotográficas, da confecção de câmeras artesanais, a chamada pinhole, sua especialidade, à mediação nos processos laboratoriais de revelação, seja no uso do preto e branco, em suas mais variadas experiências, ou na transformação do papel fotográfico já impresso com a colorização, exercida com habilidade de aquarelista. As imagens colorizadas ganham requintes de leveza, brilhos, delicadezas permitidas por seu gesto preciso e sensível.
No trabalho desta fotógrafa há traços de intensa feminilidade, mas, também, influências regionais, de Werinton Kermes, pela crença e incentivo, segundo a própria artista, a Beto Rocha, pela transgressão do olhar, e outras, universais, como Man Ray, Edward Weston, Edward Steichen, Sebastião Salgado e Henri Cartier Bresson.
Assim, fotografar assemelha-se a um exercício de meditação contemplativa, como arte que exige a predisposição do olhar atento e o cuidado amoroso que quer ser estado de transcendência. Viver com arte, portanto, é ter atenção e cuidado com tudo e todos ao nosso redor. Assim o é, pelo menos, na arte e na vida de Denise Galli.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.


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Jornal Cruzeiro do Sul - 07/10/2005 (http://www.jcsol.com.br/2005/10/07/07LA202.php)

O questionamento estético
e existencial de Lúcia Castanho
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Lúcia Castanho

Míriam Cris Carlos
Era um distante "Terra Rasgada", e a cidade movimentava-se inteira no movimento das artes, na Oficina Cultural Grande Otelo. Entre a efervescência de processos criativos variados e o sem-número de visitantes, que já se aglomeravam, curiosos, em fila, em meio à agitação poucas vezes vista em torno da arte e artistas sorocabanos, lá estava ela, empinando um belo "barrigão", subindo e descendo escadas com a sua imensa obra em tecido e tinta acrílica.
Branco e preto. Positivo e negativo. Leveza e intensidade. Contraste. A cidade, inventada por seu gesto forte e polissêmico, cidade feita em linhas, definição de seu modo de ver o universo: delineado. Com a obra já pendurada em seu devido lugar, lá estava ela, mão na cintura, a outra na barriga, de olho na própria cria (as duas), agora ao vento, solta, pronta para os olhares, emoções e sensibilidades de seus espectadores.


Ela é Lúcia Castanho, formada em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina. Tarefa difícil enumerar suas exposições mais importantes, entre as quais estão Mônica Filgueiras Galeria de Arte, São Paulo, (2002); Gesto Traçado - Instalações, Sesc Sorocaba, (1996); Ateliê Calcográfico Iole di Natale, Sesc Pompéia, São Paulo (1995); I Bienal Nacional de Gravura de São José dos Campos, (1994); IV Bienal Nacional de Santos, (1993); 47º Salão Paranaense de Arte Contemporânea, Curitiba, PR (1990); Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, com o prêmio aquisição, 1989. Possui obras em acervos no Masp, Mac, Man, Sesc e Tableau Luiz Carlos Moreira.


Publicou "Álbum de Gravuras", em 1983, pelo Ateliê Calcográfico da Faculdade Santa Marcelina e "Álbum de Gravuras", em 1987, na exposição Retratos, pelo Ateliê do Man.
Com três filhos, Lúcia ainda encontra tempo para estudar e dar aulas. É professora de História da Arte, na Esamc, Sorocaba, e mestre em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Mackenzie. É pós-graduada em Aquarela pela Faculdade Santa Marcelina. Por seu ateliê, onde ministra aulas de pintura e desenho, já passaram muitos artistas, que com ela fizeram escola, e entre os quais se destacam Lenita Sampaio e Marli Madia.


Dos tecidos aos cubos, depois às esculturas em arame, na leveza de suas figuras humanas esboçadas em aquarela, no desenho com bastão oleoso, na gravura, todas as técnicas experimentadas por Lúcia Castanho ganham uma expressividade ímpar, pelos movimentos circulares, memórias do infinito, da continuidade, da maternidade, da água, do vento. São volutas femininas. Casulos. Formas ovóides. É a insistência nos tons terra, no ocre, nas cores que parecem trazer à tona objetividade e raciocínio. Há ainda o puro vermelho, princípio e fim da vida, usado pelos índios contra os maus espíritos, vermelho de intensidade apaixonada, devoradora, febril, quase insana. São pés no chão e olhos no infinito. Terra, que não se distancia do sangue, porque também é mãe.


Algumas telas de Lúcia Castanho, bem como suas esculturas e instalações, parecem repercutir com insistência o desejo de voltar ao útero, amor e dor (e qual amor não é dor?), contenção e liberdade em conflito. Ainda insistência é o que se percebe em suas seqüências de obras, variantes sobre o mesmo tema, como as pinturas, desenhos e colagens representando cadeiras. Com a repetição, ela parece buscar a forma exata para expressar uma idéia, um sentir, um objeto. Uma simples cadeira transforma-se em exercício de reflexão sobre formas, cores e ângulos.
Lúcia se depara, em seu fazer poético, com a eterna angústia da representação: o signo, ao tentar apreender o objeto, destrói definitivamente o real, transformando-se em múltiplas e sucessivas possibilidades. Esta opção metalingüística torna universal a produção da artista e remete às preocupações nacionais e internacionais sobre a natureza da arte nos anos 70, colocando-a em diálogo com Júlio Plaza, Mira Schendel, Luiz Hermano, Regina Silveira, Renato Guttuso, Iberê Camargo, Cy Twomby, Greenway e Cindy Sherman.


A obra de Lúcia Castanho, metalingüística e metafísica, cada vez mais ligada ao tridimensional, parece buscar o questionamento das estruturas e materiais, em sua montagem cuidadosamente artesanal, nas esculturas em arame, nos desenhos na superfície do papel e do corpo. Ao fazer de seu corpo suporte para a arte, ela parece buscar, ainda, caminhos para o fazer artístico, mas parece buscar, sobretudo, a essência da própria vida. Deste modo, suas questões são estéticas, mas são também existenciais. Por isso, produto e produtora mesclam-se, confundem-se. Não é à toa que no dorso de Lúcia Castanho está impressa a sua arte.

Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.

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Jornal Cruzeiro do Sul - 14/10/2005

PARA JANICE VIEIRA,
A DANÇA É RELIGIÃO
arquivo
"Janice fez a sua opção. E conduz sua dança pela vida e a sua vida pela dança, numa delicadeza doce e tímida, mas intensa".
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Míriam Cris Carlos
Desde muito cedo ela esteve envolta em música. Seu avô tocava violão e compunha. Com a mãe, sua grande incentivadora nas artes, deliciava-se com os musicais norte-americanos. Também da mãe recebeu o incentivo para estudar o instrumento que, no começo, serviu como substituto do piano, muito caro, e que não poderia ser comprado. Desta forma encontrou-se com o acordeão, ao qual ela se dedicaria intensamente, introduzindo-o em seus espetáculos. Estudou música no conservatório musical João Batista Julião, em Sorocaba, e no Instituto Musical Paulista, em São Paulo.
Mas foi na dança que ela encontrou sua verdadeira vocação, aquela que, segundo a própria bailarina, todos nós devemos buscar, porque deve existir algo, em cada um de nós, que fazemos melhor do que tudo e todos, e descobrir-se é, tarefa mais difícil na aventura humana, encontrar esta vocação, que ela descobriu tão bem: dançar.


Sua formação técnica inclui dança moderna e Laban, com Maria Duschenes; ballet clássico, com Maria Olenewa e Halina Biernacka; "Natural Sounds", Nokolçais, "African Rhytms", todos estes no Connecticut College (EUA).


Para Janice Vieira a dança é religião. Entre os significados vários encontrados para a palavra, Houaiss aponta crença, devoção, piedade, reverência às coisas sagradas, coisa a que se vota respeito, qualquer filiação a um sistema específico de pensamento ou crença que envolve uma posição filosófica, ética, metafísica.


Colocando em sintonia sua fala e sua prática, Janice traz para o ato de dançar uma postura de vida: todos temos uma missão a ser cumprida, e a dela envolve esta postura ética, filosófica e metafísica para com a dança. Dançar requer fidelidade à arte e à pesquisa. Na dança está a busca do conhecimento, as questões sociais, a tentativa de entender a própria existência; é encontro do homem com o Cosmos, com outros homens e consigo mesmo.


Não abrir mão desta Verdade posicionou sua arte à "esquerda" da dança mais praticada em Sorocaba. Seu estúdio, ligado à produção da dança contemporânea, artística, não oferece cursos de jazz e nem de sapateado. Não fomenta a produção de festivais anuais. Não busca condicionar crianças para apresentações no palco. Desta forma, resiste o compromisso com a arte transcendente que considera o movimento do homem como dança desde o útero materno. Com este propósito, Janice tem atuado como professora no Studio Janice Vieira e no curso de preparação corporal para atores da Universidade de Sorocaba.


Janice é também coreógrafa, com inúmeras coreografias já apresentadas, na dança e no teatro: Estudo sobre ritmos primitivos, Ukrimnakrinkin, Apocalipse e catarse, Boaição, O silêncio dos pássaros, Pranto por Ignácio Sanchez Meija, Como sói acontecer, Rabigalos, Por um instante de brilho, Lola Moreno, Lixo atômico, Tempestade e Ímpeto, Morangos Berrantes. Desenha movimentos com esta mesma consciência religiosa.


Talvez do saber a arte como linguagem de um devir, como elemento de transcendência, tenha surgido o desafio de construir um espetáculo inspirado em Guimarães Rosa: Miguilim, a luz dos olhos, apoiado pela LINC (Lei de Incentivo à Cultura) de Sorocaba, e que reuniu bailarinos com os quais Janice já havia trabalhado, entre eles Regina Claro e Maia Júnior.


Sua filha, Andréia Abdelnur, fez Miguilim, e vem dançando cada vez melhor, como outros muitos bailarinos que passaram por seu Estúdio, de onde saíram bem aparelhados para a atuação em qualquer grande centro que permita a expressão intelectual desta arte.


Parceira artística de Denilto Gomes, um dos mais arrojados e importantes bailarinos de Sorocaba, Janice foi uma das pioneiras na tentativa de entender as manifestações populares e de cunho religioso, incorporando-as. A Bahia sempre lhe despertou um grande interesse, porque lhe parecia um celeiro de dança, de música e de ritmos. Lá conheceu o candomblé, a capoeira de Angola, e descobriu na capoeira elementos de diálogo com a dança contemporânea. Integrou o grupo Pro Posição, por onde também passaram Mônica Minelli, Ismênia Rogich e Regina Claro.


Janice considera Sorocaba um lugar com o qual é difícil se comunicar. Falta, em sua opinião, para a cidade, um espaço cultural mais definido, porém acredita que há muita gente boa produzindo boa dança e que a disciplina, a insistência e a escolha vocacionada são as principais necessidades de um bom bailarino.


Para Maria Padilha, "a vida e a dança são dádivas de Deus. Cabe a cada um saber conduzi-las". Janice fez a sua opção. E conduz sua dança pela vida e a sua vida pela dança, numa delicadeza doce e tímida, mas intensa. Silenciosa, mas pulsando freneticamente, com ritmo, com harmonia, com melodia, compondo uma partitura singularmente bela aos olhares mais atentos e sensíveis. Saravá, Janice!
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.
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Jornal Cruzeiro do Sul - 21/10/2005

Pura emoção, Landa Lopes
Adriana Coluccini
"Ela, Fênix, trouxe ânimo para aqueles que, mesmo se alimentando de arte, descrêem às vezes de seu poder de nos manter pulsando"
arquivo
arquivo
"Belíssima, Landa foi. Landa abriu o seu espaço. Mas sua poesia é permanente. Supera o tempo, o espaço, as convenções e quaisquer marcas de superficialidade"

Míriam Cris Carlos
Ela é um pequeno sol. Mais precisamente, na definição do artista, dada por Hilda Hilst, "um sol no coração e um sentir tão delicado". No corpo miúdo, nos movimentos tímidos, um pouco vacilantes, guarda a força necessária para aqueles cuja sina foi se dedicar à arte, e é pela arte que até hoje se entusiasma e se move, deixando o conforto de seu apartamento, superando dificuldades várias para, no domingo noturno do dia 9 de outubro de 2005, subir ao palco do teatro de Votorantim e, mais uma vez, declarar amor ao cinema e receber homenagem das novíssimas gerações de produtores. Era a final do Festival de Curtas de Votorantim, e ela, Fênix, trouxe ânimo para aqueles que, mesmo se alimentando de arte, descrêem às vezes de seu poder de nos manter pulsando.


Em sua aparente fragilidade, conserva ainda nos olhos gatos o ar de moça levada, uma leveza e curiosidade que se esparramam como braços sobre aquilo que tocam: seus olhos de poeta, enxergando além, em cada coisa que lhe é apresentada. Desse olhar o mundo sem preconceitos, tudo se faz arte. "Ver com olhos livres", condição da poesia, segundo Oswald de Andrade. O poeta, desta forma, necessitará ser libérrimo, exercício este praticado por Landa até hoje, na ousadia de seus textos sensualíssimos e na sabedoria de seus 86 anos que querem muito mais, na cabeça que não pára, no corpo frágil que se levanta noite adentro, fervilhando idéias para serem postas no papel.


Pura emoção, Landa Lopes, mãe de Yolanda, é pessoa deliciosa. Em um tempo de mulher em casa, foi para a rua e dominou a mídia, auxiliando a construir um espaço em que hoje cabem muitas tantas outras mulheres que quiseram mais do que o pano de prato, as panelas, as fraldas. Artista versátil e completa, compõe, pinta, escreve, canta.


É necessário olhar com cuidado maior para sua poesia, expressão talvez mais inspirada de todas as escolhidas por Landa. Landa é, sim, poeta, mas no exercício de transitar por todas as artes, mal necessário para sobreviver, fez da sua bela poesia um detalhe em meio a tanta produção artística. Landa necessitou exercitar o ser e estar, vício de quem se acostumou ao glamour e à glória, conquistados num tempo em que, para a mulher, sobreviver de arte passava também por estas questões. Belíssima, Landa foi. Landa abriu o seu espaço. Mas sua poesia é permanente. Supera o tempo, o espaço, as convenções e quaisquer marcas de superficialidade. Sua poesia marca o inevitável labirinto de solidão de que nos fala Octavio Paz. Nascemos e morremos sós. Ela se ressente dos amigos que desapareceram, e isto está no que escreve.


Além da arte, Landa Lopes transitou profissionalmente pelos caminhos da comunicação de massa. Já foi apresentadora de TV e compositora de jingles, forma encontrada para viver de seus processos criativos. Foi também uma das pioneiras na produção de cinejornal, gênero desconhecido das novas gerações, com o formato tradicional do noticiário, porém realizado especialmente para a apresentação em cinemas, antecedendo a exibição dos filmes. Nestas produções e em outras trabalhou ao lado de seu marido Juan Martins Marins Jimenez Lopez. No cinema foi também atriz, tento atuado em diversos filmes, entre eles "Joelma - 23o andar", "O tigre" e "Não matarás".


Poeta, romancista e roteirista, é autora de diversos livros, três dos quais compõem o acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em Washington. Seu primeiro livro, prefaciado por Afonso Schimidt, "As quatro volúpias", foi publicado em 1952. Escreveu também "Poemas para ler com música", com prefácio de Guilherme de Almeida e "Eu mutante", editado pela Fundação Ubaldino do Amaral. Na revista "A cidade", publicada também pela Fundação Ubaldino do Amaral, em comemoração aos 351 anos de Sorocaba, o jornalista Marcelo Roma traça um perfil completo da artista, ressaltando que "(...) os mais jovens podem não saber quem é Landa Lopes, mas basta conhecer um pouco dela para se admirar". "Negra!", iniciado em 1975, foi publicado em 1999, com o apoio da Linc (Lei de Incentivo à Cultura) de Sorocaba. Romance que aborda questões relacionadas ao preconceito racial, tem prefácio de Jorge Narciso de Matos e uma homenagem de Landa a Pelé:


Pelé, o Predestinado
É de som,
Ar, antes
Do
Nascimento.


Landa Lopes, linda e sensível, mais que linda, poeta, impressiona pela capacidade de sonhar, de produzir, de se encantar com o cotidiano e reinventar a vida continuamente, naquilo que escreve, nos quadros que pinta. Com ela, aprendemos, plena é a vida enquanto não medirmos esforços para lutar pela arte e enquanto pudermos acreditar em nossa capacidade de, pela arte, transformar a vida.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.


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Jornal Cruzeiro do Sul - 28/10/2005


Marisa Macambyra,
exemplo de que a literatura é vida
arquivo pessoal
"Marisa Macambyra possibilitou o contato com o fazer artístico para inúmeras pessoas da comunidade sorocabana"
arquivo pessoal
Marisa em 1973
Míriam Cris Carlos
Para ela, ler é prazer. Iniciou-se na leitura ainda criança, passando dos gibis aos livros de faroeste e em seguida aos clássicos, que, considerados impróprios para a sua idade, ela e a prima liam às escondidas. Nos olhos leitores que, ao nos olhar parecem enxergar dentro da gente, nos gestos, na voz de pausas bem delineadas, no sorriso gostoso que lembra carícia, Marisa está em constante processo de reflexão, fermentando idéias, suas inquietações, condição e resultado do contato com a arte, com a literatura. Sem a leitura, afirma, "perde-se a visão de mundo, a postura crítica".
Formada em Letras e em Biblioteconomia, soube associar o espaço dos livros e a literatura à prática cotidiana, às ações culturais. A literatura é viva, conseqüentemente, a biblioteca deve ser também espaço vivo, onde se permita a integração entre os diversos suportes da arte. A biblioteca é lugar para a poesia presente nas linguagens verbais e não verbais, enchendo-se do poder da oralidade, que é também gesto, ritmo, dança dos corpos e configuração espacial; a poesia e sua tão particular capacidade de, como nos fala Teixeira Coelho Neto, criar o invivido, provocar sensações que devem ser incorporadas, lidas, sim, mas naquela leitura específica que requer o código estético e, impossível não nos lembrar de Charles Sanders Peirce, é instância da primeiridade. Deste modo, a poesia sempre esteve presente na biblioteca viva que foi a dirigida por Marisa Macambyra, em um projeto que se iniciou em 1978 e durou 18 anos. Difícil enumerar tudo o que ali aconteceu durante este período: de palestra com Nélida Piñon e oficina com Paulo Betti ao projeto "Sena" (seleção de novos atores), os ensaios para teatro, realizados no quintal da Biblioteca. Com o "Proibido Proibir" ocorriam intervenções culturais em espaços não convencionais como ruas, praças, cadeias. Deste projeto, em uma conversa com os presos, Marisa e Edeméia Pereira tiveram a idéia de criar a "Caixa-estante", que levava livros, solidariedade e cidadania no incentivo à leitura para os detentos.
Marisa foi também uma das idealizadoras e participante ativa do "Cinebando Cineclube", encontro de cinéfilos para ver e debater obras cinematográficas não pertencentes ao circuito comercial de cinema. O "Cinebando" proporcionou a exibição de "Cafundó", média-metragem realizado sobre a comunidade negra e que contou com a presença de moradores do Cafundó em sua estréia, realizada em Sorocaba.
Trabalhando como bibliotecária, Marisa pôde participar de oficinas de sensibilização para agentes culturais, realizadas pela Secretaria do Estado da Cultura. Destas oficinas, ministradas por profissionais das diversas áreas artísticas, entre os quais Marcos Leite, regente do "Garganta Profunda" e Jean-Claude Bernardet, cineasta e roteirista, vinha com a cabeça fervilhando de idéias para serem postas em prática. Este projeto, chamado "Nossa Gente", fez nascer o "Grupo Imagem - Núcleo de Fotografia", após uma oficina ministrada por João Farkas. Adolfo Friolli, historiador sorocabano, sempre que apontado como o sócio número um do "Imagem" retruca, "eu não sou o número um de verdade, sou só no papel, porque fui o primeiro a me registrar como sócio; número um é mesmo a Marisa".
Marisa Macambyra possibilitou o contato com o fazer artístico para inúmeras pessoas da comunidade sorocabana, graças também ao auxílio importantíssimo de artistas voluntários, entre estes Gai Sang, Edméia Pereira, Carlos Roberto Mantovani e Antônio Quirino Neto, pessoas que se encontravam na biblioteca para conversar sobre cultura. Destas conversas surgiam os projetos. De uma idéia de Gai Sang realizou-se o "Som da Gente", que em sua primeira edição aconteceu na Concha Acústica e em sua segunda edição ocorreu no Clube União Recreativo, no centro de Sorocaba. A proposta deste projeto era não apenas divulgar a música e os músicos sorocabanos, mas também provocar o debate e o trabalho conjunto entre os próprios músicos, possibilitando-lhes organização. Houve também o "Mural de Poesias", oportunidade a muitos escritores de mostrar ao público sua arte. Marisa foi também idealizadora do projeto "Poesia em Debate" e do "Graffite-se", com o grupo Tupinãodá.
A arte e a poesia estão em todas as coisas, em tudo o que nos cerca, em todos os espaços. Marisa sempre soube disto. Assim, de todos os trabalhos possibilitados por essa sua visão solidária e humana, podemos concluir, todos os espaços são, sim, espaços para arte. Basta que os tomemos. Artistas e agentes têm o poder, se não a obrigação, de transformar qualquer espaço, espaço para o fazer artístico, já que a arte é cotidiana e inerente ao homem, assim como a necessidade de comunicar. Basta, também, que haja alguém com sensibilidade e disposição para fermentar o que está no mais dentro de nós e em tudo o que nos cerca. Impossível negar que há poesia no outdoor, nas ruas, nas praças, nas feiras, nos mercados. Esta nossa moça arteira sabe bem disso. Com ela, neguemos a frigidez de qualquer espaço, sobretudo o das bibliotecas. Marisa Macambyra, ao fazer da Biblioteca Municipal de Sorocaba um espaço vivo, no qual era possível expor, agir, interagir, criar, um espaço de integração, de acontecimentos os mais variados, tirou também a Literatura de seu lugar pseudo sagrado, aproximando-a das pessoas comuns; despiu-lhe as vestes sóbrias de academia, acabou com sua aura de pureza, arrancou-lhe as ataduras de múmia empoeirada, fazendo dela próxima, cúmplice de nosso cotidiano, tão carente dela, tão carente de outras Marisas que possam tornar a nossa existência mais plena de poesia. De poesia viva.
Esta coluna é uma homenagem a sorocabanas que fazem arte, sob o olhar da professora e semioticista Míriam Cris Carlos.

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Jornal Cruzeiro do Sul - 04/11/2005


MATILDE SANTOS
Atriz por opção, paixão e resistência
arquivo
"Na sua condição de mulher e atriz, no contexto repressivo do regime militar e no atual contexto não menos repressivo dos padrões da comunicação de massa, resolveu resistir, subversivamente"
arquivo
Matilde com Milton Bachir e Carlos Alberto Mantovani - este, presente desde o início de sua carreira
Míriam Cris Carlos
Pele cor de Brasil, olhos risonhos, boca e gingado generosos. Os sempre longos cabelos ondulam com a cadência dos passos da morena que é índia, negra, branca, o que quiser, porque é atriz e brasileira. Atriz por opção, paixão e resistência. Escolher a dança e a arte dramática como modo de vida é resistir. Resistir a padrões impostos ao polissêmico vocábulo "atriz", sobretudo nestes tempos de "modelos, manequins, atrizes" esquálidas e insossas, impostas pelo poder televisivo criador de mitos. Mitifica-se um modelo de mulher, e cabe a poucas a coragem de rejeitá-lo. Modelos: a grande mãe, a donzela, a prostituta. E a nenhum destes ela se submete, ao mesmo tempo que os incorpora, todos, dessacralizando-os, canavalizando-os, em seu exercício teatral. Na sua condição de mulher e atriz, no contexto repressivo do regime militar e no atual contexto não menos repressivo dos padrões da comunicação de massa, resolveu resistir, subversivamente. Matilde Santos, a que resolveu ser muitas, a que resolveu ser todas, a filha, a outra, a mãe e mais quantas possa. E de sua resistência já vão lá trinta anos.
Ser artista é estar em processo de contínua construção. É saber que há sempre algo por completar. Desta consciência, mesmo com os trinta anos de experiência teatral, Matilde resolveu descobrir, aprimorar-se e por isso está cursando Teatro, Arte e Educação, em Sorocaba.
Trabalhou com grandes mestres, entre eles, Denilton Gomes e Janice Vieira, com quem estudou dança moderna, tendo participado como atriz e bailarina em "Beijo no Escuro" (1981), "Ne me quite pas" (1982) e "Rabigalos" (1983). Sua formação inclui, ainda, a Oficina Nacional de Dança, em Salvador; Dança Moderna, com Clarice Abujamra; Clássico Moderno, com Ruth Racheu e Ballet Clássico com Ismael Guiser. Na área teatral recebeu formação de Vlademir Capela, Elvira Gentil, Roberto Gil Camargo, Yam Michalski, Maria Alice Vergueiro, Ulisses Cruz. Fundamental, entretanto, é destacar o seu longo percurso ao lado de Carlos Roberto Mantovani, presente desde o início de sua carreira.
Com Mantovani, Matilde participou da antológica montagem de "O rei da vela", de Oswald de Andrade. Trata-se de um texto visionário, montado pela primeira vez por José Celso Martinez, no final dos anos 60, e que permanece atualíssimo, polêmico e impactante até os dias de hoje. Por essa montagem se pode medir a coragem e ousadia da dupla.
Como Mantovani, para Matilde Santos a arte é militância pela arte, razão de viver, que não serve a qualquer espécie de ascensão que não seja a ascensão humana ou da própria arte teatral. Ficam fora de questão: fama, egolatria, dinheiro, este, necessário para a sobrevivência. Poucos se lembram de que o artista também come, mora, veste, paga impostos. Entretanto, deixar de fazer arte porque não há dinheiro também está fora de questão.
Matilde é também roteirista e diretora. Realizou "Noite da amizade" (1983), "Brasil dia-a-dia" (1984), "Coquetel" (1987), "MPB Dança" (1988), "Pedaços" (1988), "Corpus" (1989), "Ballet Junção" (1990), "Expressar expressando" (1991), "O lago dos cisnes" (1992), "I MID - Mostra de Dança (1992)" , "Apresentação de arte moderna" (1992) e "III MID - Mostra de Dança (1993)", entre outros.
Com Dimas Vieira - diretor cuja linguagem intensamente elaborada de sua dramaturgia, pois além de dirigir ele escreveu para teatro, permitiu momentos singulares (onde andará Dimas Vieira?) - Matilde realizou atuações inesquecíveis em "Dramão" (1989) e "Prelúdio para duas mulheres", escrita por Mantovani (1991).
Praticamente impossível para o público sorocabano que tem o teatro como prática nunca ter presenciado no mínimo uma atuação de Matilde. Com seus trinta anos de carreira, difícil elencar trabalhos realizados e nomes com os quais trabalhou, formadores, influências. Difícil e inútil, já que Matilde Santos é atriz e bailarina, em estado de permanência que torna a sua prática inesgotável, na procura por caminhos em que qualquer achado definitivo passa, instantaneamente, a perda. Melhor esta permanência da busca, parafraseando tantos e tantos poetas.
Diferentemente da reiterada febre passageira que acomete alguns jovens - os quais passam pelo teatro como um momento breve e às vezes inútil, para ser lembrado com ternura ou esquecido com vergonha e veemência mais adiante - Matilde acometeu-se de um estado febril para toda a sua vida, o que já é motivo mais do que suficiente para achar impossível não admirá-la.

Nota: Com Matilde Santos, encerra-se um exercício prazeroso, escrever sobre dez arteiras sorocabanas. Agradeço o espaço à Maria Helena Gozzano, à Fundação Ubaldino do Amaral e aos leitores desta coluna pelos emails, telefonemas e comentários. Este espaço pertence também a tantas outras arteiras, entre elas Ismênia Rogich, Nilcéia Récio, Selma Said, Regina Claro, Cida, Mariana, Laura, Marisa Lobo, Simone Sill, Betinha, Carmen Lúcia, Maria Germani, Ana Duarte, Mônica Grando, Melanie Kern, Merlie Kern, Letícia Barreto, Luciana Brandão, Maria da Glória, Regina Fonseca, Raquel Taraborelli, Sônia Cano, Neide Baddini Mantovanni, Débora Bellantani, Regiane Pinceratto, Lulé Castilho, Madu, Catherine Reze, Mônica Dafferner, Patrícia Toledo, Mônica Minelli, Sílvia Laís, Roselaine Cruz, Simone Moon, Helô Motta, Hânia Pillon, Vanessa Aprá, Esther, Patrícia Henna e tantas outras sorocabanas que fazem esta cidade cheia de vida e arte....

Míriam Cris Carlos é professora e semioticista

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Notícia publicada no Jornal Cruzeiro do Sul Online em 2005/11/11, na editoria MULHER.ELA


Míriam Cris, delicada artesã das palavras

Durante nove semanas, a poeta Miriam Cris Carlos encantou os leitores do suplemento Ela numa belíssima homenagem que prestou a mulheres que ela chamou de "Arteiras Sorocabanas". A poesia que empregou nas linhas e entrelinhas e a gratidão com que presenteou nove mulheres, colocou Míriam à mostra, ainda que nem de longe fosse essa sua intenção: uma pessoa extremamente sensível, despretensiosa, empática e delicada. E mais: também uma arteira.

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Jornal Cruzeiro do Sul - 21/07/2007
Ana Maria Duarte:
reciclar e preservar valores



Vivemos um tempo em que os shoppings centers são catedrais, e a religião mais propagada chama-se consumo. Somos medidos por nossa capacidade de consumir. Angústias nos mais variados níveis de profundidade são trocadas por mercadorias. A publicidade, grande mentora e mantenedora dos meios de comunicação, encena o espetáculo dos produtos. Na contramão destas tendências, Ana Maria Duarte, nascida em oito de abril, em Botucatu, consegue transformar em arte o que para muitos é considerado lixo. Com bom gosto, precisão, detalhe e criatividade, ela consegue dar aos materiais que utiliza, além da função estética, a de reduzir e reciclar. Ana Duarte viveu a infância no período ditatorial, debatendo-se contra a rigidez e as regras impostas pelo pai, pelo professor, pelo clima tenso. Daí ter fugido de casa quando, grávida e solteira, quis assumir sozinha o rumo de sua vida. Mas também foi com o pai, ferroviário, que sempre a incentivou nas artes e que a levava ao circo, teatro e museus, que aprendeu a gostar de cinema, de teatro, das artes plásticas. As lembranças boas são da época em que brincava, descontraída, no quintal de terra, subia em abacateiro, mangueira e pé de amora. Quando voltava do circo, sobre as árvores, imaginava-se no trapézio. Ana adotou Sorocaba, onde está desde 1972. É o lugar que ama e também é visível o amor que nutre pela comunidade da qual faz parte e com a qual divide suas habilidades e sua casa, facilmente encontrada, graças aos desenhos no portão e ao anjo pendurado no telhado. Enquanto muitos se cercam por muros de condomínios, trancas em portas, grades nas janelas e cercas elétricas, a casa de Ana está, ao contrário, de portas sempre escancaradas e transformou-se em lição para estudantes, que costumam visitála, em excursão. O que chama a atenção é a decoração e o mobiliário, compostos artisticamente com objetos confeccionados a partir de material reciclado. No fundo há um salão maior que a residência, onde ocorrem aulas e há palco para apresentações teatrais, oficinas e palestras. Este espaço, pequeno no começo, aos poucos se ampliou desde que a filha, Alessandra Duarte, começou a oferecer aulas de balé para as crianças da comunidade, inspirada pela professora Dóris. Hoje, mãe e filha apresentam histórias e peças com marionetes. Na frente da casa há um cômodo onde são armazenados materiais e trabalhos produzidos por ela e pelos alunos. Apesar de se tratar de objetos reciclados de diversas origens e texturas (plásticos PET, pneus, jornais, tecidos), ela consegue manter o aconchego, a organização, a limpeza e a beleza. À parte modismos e tendências, eleitos e desbancados a cada estação, a artista imprime uma identidade única à sua moradia, cuja marca é a originalidade, recoberta de detalhes que ao serem descobertos tornam-se valiosas obras de arte. E o conjunto de detalhes demonstra claramente a personalidade da moradora e a riqueza do que é considerado ’pobre’ por muitos. A riqueza mora no simples, portanto ela é rica. Uma pia de banheiro é usada como “aparador”; um bidê e um vaso sanitário como “cadeira/poltrona”, coisas que os distraídos podem nem notar o que eram originalmente. Esses objetos pertenciam à Estação “Sorocabana”.m A cortina da sala é feita com discos de vinil que não tocavam mais. A base da cama e do sofá são pneus. O criado-mudo, grandes carretéis. Uma geladeira antiga serve de armário e estante-biblioteca. Sobre trabalhos que realizou, destaca uma grande caverna, instalada em um prédio comercial no centro de Sorocaba, onde as pessoas entravam e encontravam saci, curupira, iara. Fez um dinossauro em papel, que foi encomendado e está no Zoológico, alémde desfiles de moda com roupas feitas a partir de recicláveis. Atualmente ministra oficinas junto à Secretaria de Cidadania de Sorocaba, a fim de resgatar a cidadania, principalmente de mulheres de vários bairros carentes, aonde vai e explica que o que têm no quintal da casa pode se transformar em obras de arte para vender. “Para mim o retorno é maravilhoso, é gratificante. Eu adoro trabalhar com material reciclável e eu adoro passar pra frente, mostrar. Eu acho que hoje o que nós estamos precisando é reciclar, porque hoje as pessoas estão pensando muito em comprar, é só comprar, comprar, comprar. Mas eu quero mostrar, que eu, por exemplo, não precisei comprar nada pra ter uma casa arrumadinha. Eu quero mostrar pras pessoas que elas podem ter uma casa arrumada com materiais recicláveis. Que elas podem reciclar roupas velhas, camisetas, que dá pra customizar e sair passear. Com garrafas, pneus, jornais e um monte de coisas”. Ainda assim, ela encontra resistência e preconceito, pois muitos pensam que utilizar materiais recicláveis é “catar-lixo”, mas para ela é matéria prima, só “depende do olhar”. E a intenção de ser uma multiplicadora da idéia de produzir arte a partir da reciclagem já vem se concretizando, pois muitas alunas de Ana Duarte fabricam peças para serem vendidas (camisetas,
banquinhos de carretéis). Nas aulas, ela trabalha com a imaginação, além do artesanato, contando histórias para aumentar a criatividade das artesãs/artistas. Sempre trabalhou com reciclados. Até a cola é ela quem faz com farinha de trigo vencida, doada pelas vizinhas. Aliás, as pessoas que a conhecem sempre colaboram fornecendo matérias-primas. “Chego a acordar de madrugada para fazer algum trabalho. É algo que não me cansa. Eu passo o dia inteiro e a noite inteira e ainda tenho disposição.” Imagina, ao observar os ambientes por onde transita, um mundo mais colorido e decorado. O sonho de Ana é ter um Teatro e gostaria que este fosse lá mesmo, na periferia, pois conversando com as crianças que habitam o Maria Eugênia, muitas disseram que nunca foram sequer ao cinema, por isso a vontade de um teatro no local. Ana gosta de ir ao cinema e adora desenho animado. Tem dois netos e pretende aprender a usar computador, pois diz que não consegue conversar com o menino de dez anos, cuja linguagem é “informatizada”. Gosta de fotografias e mantém álbuns ’artesanais’ com fotos de toda a família, uma espécie de árvore genealógica. Não gosta de cozinhar e aprecia margaridas, tanto que o nome da gata de estimação é Margarida. Já chegou a ter 17 gatos, animal que admira por ser caracterizado pela liberdade. O que mais a entristece é ver crianças pedindo esmola enquanto outras pessoas se alimentam, e o que mais a alegra é quando estas brincam felizes, mesmo no ônibus, fazendo “aquela farra”. Admira a liberdade das crianças. Enfim, Ana Duarte é um elogio à permanência, à resistência, à integração, à solidariedade e à consciência, enquanto, cada vez mais, somos engolidos por nossos sonhos de consumo. Consumo que consome a nós e ao universo que, ao invés de preservar, cada vez mais destruímos antes de entregá-lo às gerações que estão por vir.

Míriam Cris Carlos e Luciana Lopez


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Jornal Cruzeiro do Sul - 03/08/2007
http://www.cruzeirodosul.inf.br/acervo/2007/08/03/20070803-ela-398706.shtml

Notícia publicada na edição de 03-08-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Glória à alegria de Maria da Glória Souza

Foto

Glória à alegria de Maria da Glória Souza
Dizer que a minha vida é uma beleza ...
Beleza o quê! Beleza nada.
Mas é que eu não me caso com a tristeza.
Tristeza não. Prefiro a madrugada!
(Celso Viáfora)

Era o ano de 1986. O já renomado fotógrafo João Farkas veio à nossa cidade para ministrar uma oficina de Fotografia. O que era empolgação das primeiras horas de encontro, transformou-se em paixão a que, desmentindo o prognóstico de especialistas, para os quais paixão é fogo fátuo e de palha, os participantes resolveram dar continuidade e transformar em perene paixão amorosa, criando o Grupo Imagem, até hoje um dos mais importantes organismos de fomento à cultura em Sorocaba e região e, especialmente, à arte da fotografia. Entre os participantes desta oficina estava a apaixonada Maria da Glória Souza, conhecida pelos mais próximos como Glorinha, que desde então adotou a fotografia como forma de expressão, modo de comunicar o mundo e ao mundo, como mote de delícia e denúncia, com seu amor, seu olhar e seu humor, aliás, boníssimo humor. Dos que a conhecem e com ela convivem, pouquíssimos, talvez, mencionem alguma rusga, testa franzida, palavra mais dura ou pouca vontade, mas muitos aclamarão o riso da boca e dos olhos, ora meio maroto; sorriso menino. Muitos também se lembrarão da disposição em dizer sim, da vontade de abrir espaços para a discussão da cultura, do querer fazer, do festejar e estar presente, do olhar atento e da máquina à mão, do sempre aceitar a difícil tarefa de compor comissões, reuniões, comitivas, núcleos, associações, ongs. É a pré-disposição ao diálogo, à paciência, à tolerância e o desapego do seu próprio tempo em função do outro, do tempo do outro, da vida do outro. Glorinha é pelo comunitário, nestes dias de individualismo. É pelas utopias, quando o ceticismo já nem assombra mais.
Poucos fotógrafos sorocabanos, dentre estes, aqueles que se dizem profissionais (ela, amadora, no sentido restrito da palavra, aquele que ama), terão feito de suas máquinas a tão completa transcrição do que McLuhan, teórico da Comunicação, descreveu: máquinas como extensões humanas, a câmera como prolongamento do corpo e ampliação do olhar. Maria da Glória, esta sim, sempre munida de sua câmera, tornou-a uma sua extensão, afinal, não se sabe quando uma imagem poderá nos encantar, apavorar, emudecer, e para isto há que se estar atento e preparado. Ela sabe que a fotografia é o olhar apreensivo e pensante, como nos disse outra fotógrafa, Denise Galli. Sabe que a fotografia é composição e compõe suas fotos e sua vida, com amigos, lugares, espaços milimetricamente arranjados, no sossego de seu canto de encantos, onde tudo é bem composto. Compor é estar disponível, apto, com algo ou alguém, relacionar (se).
Essa curiosidade atenta do olhar, a vontade de experimentar, de recortar novos universos, de traçar caminhos inusitados fez dela uma sempre viajante, porque sabe que viajar é um modo de conhecer, é uma forma de estar em contato com outras culturas e alimentar-se de energias outras, que tendem a nos renovar para a vida. Sabe que viajar é ver, crer, descrer, entender que não há definitivamente verdades absolutas. Sabe que viajar é o modo mais integral de saber que nada sabemos, que a surpresa é sempre possível quando imaginávamos já ter visto, ouvido e apreendido tudo. Navegante, sempre e sempre renovada, ao ter escolhido a apreensão das imagens como atividade artística, Maria da Glória parece ter pactuado com o tempo, ao eternizar a necessária jovialidade de agitadora cultural, interessada em saraus e carnavais, MPB e música caipira, México e sacis. Por isso, pela curiosidade de quem vê tudo como pela primeira vez, quando todos nós torcíamos o nariz para as câmeras digitais, ela foi uma das primeiras a testar a nova tecnologia, a incentivá-la, a atestar suas vantagens e desvantagens.
Trabalhoso e inútil seria numerar as exposições, jornadas fotográficas, palestras e eventos de natureza diversa nos quais, com disposição invejável, fazia e se faz presente em todas as etapas, da apreensão à edição de imagens, da montagem à recepção dos visitantes. E depois de tudo isto, ainda lhe sobra tempo para ser professora na ETE Fernando Prestes, professora aposentada da rede municipal, na escola Achilles de Almeida, além de Diretora do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Sorocaba. Professora, portanto, multiplicadora dos saberes que cultua. Quem já foi a uma exposição de seus trabalhos, viu a procissão de alunos devotados e cheios de orgulho que a acompanham com carinho. Na paixão pelo fazer, ao nos presentear com suas imagens e gestos, Maria da Glória se refaz a cada dia, nos refaz e nos estimula a crer. Com ela entoamos a poesia-canção de Celso Viáfora, eu sou devoto de Santo Expedito, quando ninguém crê, eu acredito. Ninguém vai lá ver, eu vou!!!. Ela é a glória, a cheia de graça, em quem acreditamos e que nos faz crer. Glória, Glorinha!
Texto: Míriam Cris Carlos
Produção: Luciana Lopez




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http://www.cruzeirodosul.inf.br/acervo/2007/08/10/20070810-ela-398928.shtml
 
Notícia publicada na edição de 10-08-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ela

Zilá Gonzaga, nas ondas do rádio

Foto

Ela compõe a história do rádio, meio no qual atua desde muito menina. Nascida em Porto Feliz, dia de Reis, verão e capricórnio, foi criada em Sorocaba. Caçula de nove irmãos, hoje tem apenas uma irmã viva, Tereza, governanta no Rio de Janeiro.
Aos 11 anos, sonhava em ser cantora. Francisca Gonzaga, que já nascera com nome musical, às escondidas do pai, mas autorizada pela mãe, que também lhe fazia ressalvas à pretensão de cantar, foi a um programa da Rádio Clube como caloura. Daí surgiria o nome Zilá, pois a menina Francisca, para fugir a uma possível repreensão paterna, sem querer criou o nome artístico que a iria acompanhar por toda a carreira, inspirado em uma cantora da época a quem admirava, Zilá Fonseca.O sucesso foi tão grande que ela passou a cantar todas as semanas.
Na década de 50, a necessidade de ganhar dinheiro fez com que trabalhasse como auxiliar de faxina, na rádio Cacique, onde depois se tornou locutora, radiatriz e roteirista de novelas que chegaram a todo o Brasil.
Trabalhou em várias emissoras de rádio na cidade e em todas é lembrada com carinho, respeito e admiração. Das inúmeras entrevistas com famosos, a única que lhe deu frio na barriga foi a que fez com o rei Roberto Carlos, entrevistado por ela, pessoalmente, no escritório do cantor em São Paulo. Tornou-se amiga de Sérgio Reis e do controverso Agnaldo Timóteo. Não foi para a televisão, como tantos outros profissionais de rádio da época, por falta de vontade, já que determinação não lhe faltaria para alcançar o que quisesse.
Zilá destaca dois grandes momentos em sua vida, um trágico e outro feliz: o primeiro, a perda da mãe, aos 14 anos. O segundo, o título de cidadã sorocabana que recebeu no ano passado.
Atualmente, apresenta dois programas na rádio Cacique, o Toque de Amor, pela FM, às 12 horas e o Show de Mulher, pela AM, às 16 horas, todos os dias, ao vivo e sem vacilar, com segurança e desenvoltura de quem realmente sabe o que está fazendo. No programa da AM ela canta, entrevista, conversa com os ouvintes e faz propagandas com muita propriedade. Como promotora de eventos, gosta de destacar que foi a primeira a trazer a dupla Theodoro e Sampaio à região, em Votorantim, no ano de 2000.
Não tem animais por falta de tempo e não cultiva plantas por falta de espaço, pois vive em um apartamento há 22 anos. Cultiva, entretanto, amizades surgidas de sua empatia com os ouvintes, aos quais chama de compadres, comadres e afilhados. Da casa térrea em que vivia, na Vila Leão, sente falta do jardim, sobretudo das roseiras. Adora cozinhar e se não fosse radialista gostaria de ser empregada doméstica, pois admira o trabalho da irmã governanta e também porque poderia cozinhar. Prefere as comidas mineiras e é especialista no Virado à Paulista completo, com direito a arroz soltinho, couve, bistequinha, lingüiça e ovo. Faz também bacalhoada e gosta de massas e cerveja. Não gosta de carne de coelho, nem de piramboia, peixe que parece cobra.
Zilá Gonzaga, no exercício cotidiano da paciência, trabalhando com a comunicação, resistiu sem culpa às revoluções tecnológicas. Não aprendeu a usar computador, não tem e odeia celular. Apesar de achar o telefone móvel necessário, não entende a indiscrição daqueles que o atendem a todo instante e em qualquer lugar, e dos que gritam nele dentro do ônibus, veículo de que faz uso constante pelo fato de não saber dirigir. Também anda a pé e nunca saiu do Brasil, mas pretende conhecer Portugal, por lhe parecer um lugar familiar.
Está aposentada há 14 anos e se diz um pouco cansada, mas não pára, porque teme que isto possa lhe fazer algum mal. Diz que a maior parte dos locutores de sua época está doente ou já morreu.
Nunca sofreu preconceito, só um que não vale a pena ser lembrado.
Zilá sempre é chamada para ser jurada de concursos artísticos e para palestras no curso de jornalismo da Uniso. Adora participar e não cobra cachê. Ressalta aos jovens que para ser jornalista/radialista tem que haver determinação, pois é necessário paciência no começo da carreira, uma vez que dificilmente se consegue um emprego na área. Segundo ela, no início, os jornalistas têm que trabalhar em outras áreas para se sustentar e aos pouco ir conseguindo espaço no meio.
Delicadamente gentilíssima, define-se emotiva, chorona, carente, carinhosa, acredita no ser humano e se acha raçuda, por não temer enfrentar desafios, desde menina. Morou sozinha em SP, superou diversos obstáculos no início da carreira, não se arrepende de nada do que fez e faria novamente da mesma forma.
Resta em nós, com ela, nestes tempos de imagens superexpostas, um gosto de querer ser simples, um olhar mais para dentro, na busca de uma ancestralidade auditiva, de causos ao pé do fogão, de imagens criadas a partir do verbo, do som, na cumplicidade de uma Zilá linda e amiga, que nos chega nas ondas do rádio...

Texto: Míriam Cris Carlos
Produção: Luciana Lopez




Notícia publicada na edição de 17-08-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ela

A Diva da Poesia

Foto
Arquivo pessoal
Éramos um grupo ruidoso de adolescentes dos anos oitentas, transbordantes de sonhos. Acreditávamos em tudo, com a jovem fé inabalável. Encantávamo-nos a todo instante e por qualquer coisa. Discordávamos de tudo. Ríamos de tudo, pois o mundo se cobria de uma graça tão plena que só quando se é jovem é tão facilmente encontrada. Chorávamos por tudo. Mudávamos de opinião com a maior facilidade. Brigávamos com nossos pais e irmãos. Cobertos de dúvidas, estávamos inflados da certeza de que a nossa amizade era a coisa mais importante do mundo e de que jamais nos separaríamos. Trabalhávamos o dia todo e à noite brincávamos de aprender uma profissão entre pranchetas, réguas T, autoclaves, microscópios e placas de Petri. Ríamos na escada frontal e gritávamos versos de Cazuza, Renato Russo e Bono Vox. Comíamos os salgados da Dona Lourdes - o bolinho de ovo com carne moída era o melhor.
Foi então, na velha sala da escola em que fervíamos de plenitude, que ela surgiu encantadora e terrificante, na porta de entrada. Postou-se ali e não se moveu. Enquanto não estivéssemos todos sentados, quietos e olhando para a frente, ela permaneceria à porta, imóvel, a nos olhar, altiva e digna - uma Diva. Este processo, que na primeira vez durou alguns minutos, nas seguintes seria repetido com efeito instantâneo: bastava que ela aparecesse para que fizéssemos um silêncio reverente, cada um em seu lugar.
Tudo nela impressionava. O nome difícil (Diva Von Krakauer Hubner). O carisma, a voz pausada, meio rouca, o olhar brilhante ao citar Drummond. O modo de iniciar seus comentários relatando fatos picantes e fofocas sobre os autores, a fim de chamar a nossa atenção. O riso gostoso, o deboche, vez ou outra um palavrão, o carinho ao dividir conosco as experiências viajantes, as flores de um jardim do Nepal (para lá nos transportava, com seu poder de encantar histórias) e o passar dias sem pentear o cabelo ou despir o pijama, num sítio familiar. Era carinhosa até nos tocos de giz e na cigarreira arremessados contra nossas cabeças quando conversávamos, um modo de intimidade que só nós poderíamos compreender, porque não descrito e nem recomendado em manual de didática ou projeto pedagógico, mas tão magicamente eficaz. Suas aulas tinham um gosto de doce de leite embrulhado em palha. Uma mineirice sofisticada, ainda que paradoxal.
Era a professora mais bonita, porque a mais diferente, única e estilosa. Os cabelos curtos que continuamente mudavam de cor, os enormes colares, as amplas batas indianas de estampas geométricas, florais e intensamente coloridas, os lenços, os vestidos exóticos de seda puríssima, os tamancos pesados e coloridos ou as sandálias de couro e rasteiras.
Com ela conhecemos da literatura de cordel - lavem as mãos depois de pegar nisso, foi feito com papel higiênico usado, aos textos curiosos da Seleções. O importante era que lêssemos, ainda que uma bula de remédio, apenas. Não havia Paulo Coelho, mas havia Sheldon e outros líderes de listas de vendagem - tudo bem, só tem bobagem, mas leiam, melhor ler isto que ler nada. Havia um fundo doce, mesmo no mais grave olhar de repreensão. Uma compreensão sábia e madura que a tornava uma das poucas a dialogar, debater, questionar o / com o mais rebelde dentre nós, um querubim de cachos e olhos azuis, em tudo reprovável, criticado, embotador do rendimento das aulas e da normalidade das situações. Eles pareciam almas gêmeas e tortuosas.
Sua forma de demonstrar que correspondia ao nosso amor era nos deixar bilhetes particularíssimos em nossas redações. Uma vez me consolou por não ter atingido dois sonhos de criança: casar com o Denis Carvalho e ser caixa no Banco do Brasil.
Com ela aprendi a amar os mistérios da crase, objetos e regências. Aprendi o divertimento de falar errado para provocar. As regras com suas exceções, mais as exceções que as regras, com as quais, por ela, aprendi a brincar. Ela, também, mistério como a língua, materna, mas cheia de dengos.
Uma noite fria, colocou a mim e a um amigo (e agora, João?) em seu carro e nos levou até São Paulo, porque eu havia participado de um concurso de crônicas e era a noite da premiação. Não ganhei nada; nada maior que a noite inesquecível. Comemos pizza e falamos de poesia, que a arteira nos ensinou a amar: Cecília, Vinícius e outros. Ela nos fez escrever até sobre coisas de que não gostávamos; eu, sobre futebol. Levou-nos para lanchar em sua bela casa e nos espantamos porque os guardanapos traziam em dourado os nomes dos donos. Vimos um filme (não me lembro qual) sobre almofadas.
De todos os conselhos, um que ignorei: Não queiram ser professores! Sejam qualquer coisa, menos isso, repetia. Deboche ou não, a tentação em desobedecer foi maior.
Insinuei poemas que ela criticou. Li João Cabral para melhorar a minha escrita, a pedido dela. Foi por ela que li Rosa, Huxley, Orwell, Kafka, Andrade e toda a biblioteca escolar. Queria achar assunto e me aproximar de seu conhecimento. Ao tentar fisgá-la, fiquei para sempre enredada na terceira margem de um rio de turvas águas incertas, a poesia, que se confunde com o amor que ela nos ajudou a construir pelas palavras e por ela, nossa Diva, mestre no tecer palavras e relações.

Texto: Míriam Cris Carlos
Produção: Luciana Lopez



http://www.cruzeirodosul.inf.br/acervo/2007/08/24/20070824-ela-399442.shtml
 
Notícia publicada na edição de 24-08-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

 

Ela

 

Nilceia Récio, a Beatriz

“Olha

Será que ela é moça

Será que ela é triste

Será que é o contrário

Será que é pintura

O rosto da atriz”

(Chico Buarque)

 

Era o Teatro Off, precário, desconfortável, escuro, cheio de “gambiarras”, mas também pleno de graça, de simplicidade e dos mistérios da improvisação e da vontade de fazer, tanto que vivia efervescente de atividades.
Ao subir suas escadas, naquela noite, Benê de Oliveira, com absurdo vigor, dirigia uma adaptação de Nelson Rodrigues que parecia nascida exatamente para aquele espaço. O nome poético –“Para que a carne e a alma não sonhem” - ecoava no banho luminoso de Álvaro Ramos, poesia visual.
Nas discussões das dores da carne, a alma do público era apanhada pelos olhos, bocas e gestos de um grupo irretocável de meninas. Elas entoavam um texto que aos poucos preenchia a todos os espaços abertos do OFF.
Drama em ritmo alucinado que, num crescendo, tornava a platéia estarrecida e estática. Eram feiticeiras as meninas de uma Dorotéia parida ali mesmo e ali mesmo renovada.
Entre elas, estava Nilceia Récio, cuja voz parecia vir das entranhas ou do além, na interpretação que colaria feito estampa na memória. A partir dali eu descobriria a sensibilidade da artista multifacetada, buscadora, dedicada, brejeira, bem-humorada. Ela poderia ser o que quisesse e tudo ao mesmo tempo: atriz, cantora, bailarina, estátua viva ou poeta. A Nil das mil e uma utilidades, como brincava Álvaro Ramos, encenando com avidez a arte em todos os cantos, livre de preconceitos. Palco, rua, praça, tudo comporia o cenário no qual ela, atriz, se re-inventava, embebedada nas mil veredas a ela apresentadas pelo entretecer da segunda realidade, mundo dos signos, do poético. A menina dos corredores da USP, passando e repassando o texto clássico, Um bonde chamado desejo, para a prova da Escola de Artes Dramáticas. A Nil sempre atrasada, voando para os ensaios, como a Carmen de Carlos Saura, a quem não nos cabia repreender, porque nos chegava doce e encantadora, olhos cheios de riso, mordiscando uma maçã, com figurinos embaixo de um dos braços e, em outro, as partituras para o ensaio do coral, logo mais.
Vestida para a dança do ventre, perdida entre musselinas e véus, enquanto decorávamos o texto para O jantar dos esquecidos, cujas melhores apresentações foram encenadas a uma platéia de naturistas e outra de encarcerados. Séria, incorporava a crítica severa de nosso diretor. Melhoraríamos na próxima. A Nil engraçada e que em tudo achava graça.
Ensopa, nos monólogos em Piedade, ou de negro, no recital barroco da Catedral, nos spirituals ou em Mozart; brasileiríssima, num Camargo Guarnieri ou Villa-Lobos; performática nos saraus de poesia do Espaço dos Metalúrgicos, com versos despudorados e macios, aliterantes, quase música cutucando de leve os ouvidos incautos.
A moça das poesias existencialistas, com perguntas e mais perguntas. A Nil dos blues e do jazz, em parceria com Márcia Mah, Marcos Boi, Maurício Toco. A Nil de hoje, dama solista das peças eruditas. Formada em Artes Cênicas pela Escola de Teatro Ewerton de Castro, aluna de canto lírico de Angelina Ragazzi e Integrante do Coral Da boca pra fora e Madrigal Uniso, ambos sob regência de Cadmo Fausto. Atuou em peças como Esperando Godot, Yerma, A vida é sonho; nos musicais infantis O pulgo e o Elefante, Memórias de Emília, Os doze trabalhos de Hércules e como solista em Kyrie- Grand Mass in C Minor de Mozart; Et encarnatus Est - Missa nr 03 em Ré menor de Franz Haydn; Pie Jesu-Faure. Produziu uma das mais belas interpretações do cancioneiro popular com Alecrim, participação especial no trabalho Tempo de Brincar, de Valter Silva e Elaine Buzato.
A invejável soprano é mãe dedicada do menino Caliel, esposa do maestro Cadmo Fausto e professora. É a imagem diáfana de um dia memorável no teatro OFF, em que a voz que vinha rouca, uterina e gutural, carregada de emoção e dor, amadureceu e aos poucos se transformou, doce e segura. A moça que não pode ser uma, porque muitas, como reverberações musicais, tons variegados transbordando a arte emanada dela mesma.

Texto: Míriam Cris Carlos

Produção: Luciana Lopez


Jornal Cruzeiro do Sul - 31/08/2007


Cleide Riva Campelo:
a Uiara das artes do corpo


“Ruda, Rudá!...
Tu que secas as chuvas,
Faz com que os ventos do oceano
Desembestem por minha terra
Pra que as nuvens vão-se embora
E a minha marvada brilhe
Limpinha e firme no céu!...
Faz com que amansem
Todas as águas dos rios
Pra que eu me banhando neles
Possa brincar com a marvada
Refletida no espelho das águas!”
(Mário de Andrade, em Macunaíma)



A necessidade de aulas de inglês me levou até ela, professora do idioma há muitos anos em Sorocaba. Encontrei, além do que buscava, a adorável morenice de riso franco e acolhedor, braços abertos num abraço. Agitadora de um grupo animadíssimo, que falava, e muito, de tudo: poesia, semiótica, culinária. Invariavelmente, enveredávamos o rumo da conversa para inúmeros descaminhos, perdíamos o horário e atrasávamos o almoço da nossa anfitriã-professora. Cleide Riva Campelo nasceu em Sorocaba, no dia 7 de fevereiro, mês de carnaval, verão e chuvas fartas. A combinação não poderia ter sido mais benéfica. Adora a festa de Momo e gosta do sol, do mar, dos banhos de chuva e de brincar com crianças, prazeres que somados à infância muito feliz e protegida, talvez tenham guiado sua vida pelo riso e pela alegria. Seu pai, o engenheiro civil Eraldo Couto Campelo, falecido há dois anos, e sua mãe, Diva Riva Campelo são suas inspirações até hoje. Tem dois irmãos, Celso e Eraldo e, uma irmã, Eliana, muitos sobrinhos, tios, primos. Outra possível explicação para o espírito de celebração, a família grande, de muitas festas. Com 16 anos foi aos Estados Unidos como bolsista, onde morou por um ano e terminou o curso colegial. Estudou no colégio Santa Escolástica, no Estadão e na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba, onde se formou em Letras (inglês e português). Fez especialização em Teoria Literária e também estudou piano com Maria Lourdith Leocádio por 12 anos. Ainda gosta de tocar, especialmente Mozart, Beethoven  e Villa-Lobos. Adora ler, desde criança, e está sempre lendo, cercada por livros. Explica que a leitura é algo constante em sua vida. Gosta de cinema, literatura, teatro, artes plásticas e de dançar. Gosta de visitar museus, viajar, escrever e ouvir histórias. Está sempre mergulhada em alguma pesquisa, em projetos, sonhando coisas novas. Inquieta, lida bem com o novo, com o desconhecido. Vive o momento presente. Não é saudosista e não se preocupa muito com o futuro. Alegre, otimista e muito ativa, gosta de gente, de plantas e de bichos. Conhecedora dos mistérios das frutas e dos encontros, suas texturas, seus odores. Especialista em sonhos e jaguadartes. Em suas oficinas, sempre um final consagrado à comunhão dos sabores, dos odores e do tato. Pisar em sal grosso, percorrer espaços de olhos vendados, acariciar tecidos e sentir suas texturas, brincar com as pedras e suas saliências, exercício de se colocar por inteiro nas coisas, no plano lúdico e poético de corpos que se encontram. Cleide é paixão por todos os poros: pelo companheiro, José Carlos de Campos Sobrinho, o Zeca, psicoterapeuta, médico e escritor, com quem é casada há mais de 20 anos, numa parceria afetiva e criativa. Conta que sempre trocam informações sobre suas pesquisas individuais e têm vários projetos a quatro mãos. Define o cotidiano desta relação amorosa como sempre renovado e pautado por afeto e admiração. Pelos filhos: Cristiana, jornalista, casada com André; e Claudio, criador e administrador  do site GamesBrasil, casado com Suely. Considera o nascimento de seus filhos e a convivência com eles como momentos encantados da vida, que se desdobram em muitas novas alegrias. Acha um privilégio ver seus filhos já crescidos. O saber lidar com o novo, os gestos que demonstram uma constante curiosidade pelas coisas revelam a pesquisadora incansável. Foi professora de Comunicação Corporal, Artes do Corpo e Semiótica da Cultura (entre outras disciplinas) no curso de Graduação em Comunicação das Artes do Corpo na PUCSP, por quase uma década. É pesquisadora nas áreas de Comunicação e Cultura e pesquisadora- membro do CISC (Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia -PUCSP). É autora do livro “Cal(e)idoscorpos: um estudo semiótico do corpo e seus códigos’, Ed. Annablumme, belíssimo trabalho resultante de uma pesquisa extensa e profunda, além de diversos artigos publicados em livros revistas. Nos últimos 10 anos, tem desenvolvido vários trabalhos nos quais aplica a sua pesquisa na área de Comunicação Corporal na preparação de atores. Trabalhou com os diretores de teatro Carlos Roberto Mantovani e Mário Pérsico, e ministrou diversas oficinas em Sorocaba. Assumiu, neste ano, na Academia Sorocabana de Letras, a cadeira Mário de Andrade, o que representa, além do fortalecimento da instituição como um espaço para o diálogo e a pesquisa, o reconhecimento e o merecido respeito à obra do importantíssimo escritor e pesquisador da cultura brasileira. Neste ano de 2007 participa da CDC / LINC, indicada pela ATS. No momento, está trabalhando na revisão de sua tese de doutorado, “Os sonhos do corpo”, para publicação. Além da pesquisa, nutre uma paixão pela vida que a faz a intelectual do aberto, convivendo com as culturas em seus múltiplos espaços. Assim, no fundo é uma índia que brinca acocorada num terreiro, cercada de curumins. Impossível não querer, ao lado dela, falar, contar e ouvir histórias e não se lembrar de algum sonho antigo ou recente que se queira trazer à tona. Cleide é artimanha, manha, enlevo. É um domingo cheio de sol e uma praça com coreto, em que um desafio de Cururu nos faz lembrar uma infância próxima, mas quase escondida. É uma fusão entre as duas realidades. É um signo de afeição pela terra e seus mistérios, como primitiva memória de rio, um pouco Uiara, um tanto Iansã, a nos chamar para a celebração da vida no único tempo e no único espaço possíveis, o aqui-e-o-agora.


Texto: Míriam Cris Carlos
Produção: Luciana Lopez

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Notícia publicada na edição de 14-09-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ela

LULÉ CASTILHO

A arte como extensão do ser

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Lulé menina, a quinta de oito filhos
Eu não me aceitava como artista. Eu achava que eu não estava fazendo nada pelo mundo. Penso este mundo fazendo arte. Tudo o que me acontece eu elaboro plasticamente. É a minha resposta (Lulé Castilho) Em um certo Terra Rasgada, a misteriosa obra de papel ocupava o saguão de entrada da Oficina Cultural Regional Grande Otelo. Convite à reflexão: ‘O Oráculo‘ guardava uma força que atraia e, ao mesmo tempo, amedrontava, encontro com nossa interioridade, fascinante e tenebrosa viagem. Ao encerrar o evento, participantes e público presenciaram a artista, linda e calada, em fúria apaixonada e lágrimas sobre a obra que, dilacerada, emocionou a todos que comungaram o gesto de destruição/reconstrução. Ali, marcado para sempre o destino daquela que se reconheceria e aceitaria como artista, sem jamais ter se imaginado como tal e por mais que não o soubesse.
Lulé Castilho nasceu Maria de Lourdes Ferreira de Castilho, em Santos, no dia 24 de fevereiro, a quinta de oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. O pai era delegado; a mãe, dona de casa. Durante a infância foi chamada por vários nomes: Lourdes, Marilu e, enfim, a Lulé. Estudou em escola de freiras na qual se oferecia até ioga e ali foi incentivada para os trabalhos manuais. Introspectiva, ela encontrou nas artes plásticas uma maneira de expressão.
Quando ia à missa, prestava atenção nas imagens, pinturas, formas, cores, texturas. Era um deleite para o meu olhar aquelas igrejas rococós, conta. Inspirava-se nas imagens urbanas, nas estampas, portões, igrejas e no mar. Até a quinta série não falava, apenas desenhava muito. A mãe, que junto com a avó a ensinou a bordar, guardava os desenhos e sempre incentivou a arte. Aos 14 anos, Lulé recebeu do tio a oferta para comprar dela um de seus desenhos, que a mãe não permitiu vender: foi aí que eu encerrei a minha carreira de vendedora, brinca. Recebeu educação ‘regrada‘ e recorda que balas e bolo eram sempre partilhados igualmente entre os oito irmãos. A mãe cuidava de todos com capricho e fazia roupas ‘lindíssimas‘. As meninas eram sempre as mais bem vestidas, onde fossem.
Aos 17 anos a família mudou-se para Sorocaba, porque o pai foi transferido. Neste período fazia artes em Santos, e para dar continuidade às atividades da escola e participar da exposição, a primeira de sua vida, ia para o litoral nos fins de semana. Lá, havia um namorado pelo qual não era tão apaixonada. O namoro encerrou-se com a alegação de que a moça se tornaria freira, o que não se concretizou, devido ao casamento com Beto Cury, após um namoro de oito anos. Lulé não sabe dizer se realmente desistiu da crença da infância, embora brinque que se tivesse ido em frente no intento as freiras não a agüentariam. Em Sorocaba, terminou os estudos no Estadão, depois fez um ano de Pedagogia e então foi para a Faculdade de Belas Artes em São Paulo.
Há três anos é professora de Arte na Rede Estadual (Ensino Médio e Supletivo). Não sei se sou boa professora, mas me dou bem com os alunos, declara. Considera a escola ‘um espaço de arte‘ e encara todos os alunos como artistas. Diz que costuma dançar nas aulas, cantar, ajoelhar-se para pedir atenção. No ano passado trabalhou em uma escola do Habiteto e conseguiu envolver os alunos realizando uma exposição. Tem dois filhos, responsáveis pelos momentos mais inesquecíveis de sua vida, o parto, relatado em detalhes. Ariam José, 21 anos, é estudante de História na USP e Maira Larissa, 19 anos, é professora de balé (Maira é Ariam de trás pra frente). Tem uma gata que se chama Nicole e um cachorro que se chama Rito, a gata, segundo a artista, parecida com a filha, e o cachorro, com o filho.
No momento, está em um ócio criativo, armazenando. Pretende remontar o Oráculo para tentar deixá-lo exposto e retomar alguns projetos que nunca concluiu. Está construindo o Ateliê em Votorantim, que deve ficar pronto no começo do próximo ano. No ano passado participou do ‘Ataque Cultural‘, um movimento de vários artistas para chamar a atenção da sociedade e do poder público em relação ao pouco incentivo recebido pelos artistas locais. Lulé Castilho divide a sua trajetória em duas etapas. A mudança ocorreu com a inauguração da Oficina Cultural Grande Otelo, quando deixou o bidimensional e partiu para o tridimensional de forma intuitiva.
Em culinária sua especialidade é bolo alemão, uma receita sigilosa da tia, ou o bolo de chocolate nega maluca. Gosta de ypê amarelo, azaléia, chorões, rosas e de pau-brasil, que faz lembrar a fazenda em Dois Córregos, local em que passava as férias na infância. Adora andar a pé e de bicicleta. Na juventude cantava em grupos musicais locais, quando acompanhava Beto Cury e já surpreendeu quem a conhece ao ser vista cantando em um ‘karaokê‘, em um grande supermercado da cidade.
Realizou inúmeras exposições e participou de salões de artes (Poá, Rio Claro, Sorocaba, MAM - São Paulo - primeiro prêmio canson de arte com papel, Caixa Econômica Federal - menção especial pelo Professor Chicarelli). Recebeu o Primeiro Prêmio no Concurso de Camisetas do Suplemento Feminino do Jornal Estado de São Paulo. Por diversas vezes representou Sorocaba no Mapa Cultural Paulista. Participou de todas as versões do Terra Rasgada. Recebeu menção especial no Salão Vinhedo 2005. Criou cenários, como o do espetáculo ‘Circo Guaraciaba‘. Trabalhou com instalações na inauguração da Oficina Cultural Grande Otelo, em espetáculos de dança, como na apresentação do Terra Rasgada Cia. de Dança, com direção da bailarina Ismênia Rogick (1994), na festa da peça Lingüiceiros Roderix (1995) e no espetáculo ‘Do acaso à ventura‘, do Ballet Teatro Mônica Minelli (2001). Foi a responsável pela confecção e instalação do objeto de cena para o espetáculo de lançamento do CD ‘O bicho sem pé nem cabeça‘, no Espaço Cultural da Prefeitura Municipal de Sorocaba. Realizou pintura sobre os corpos de quatro bailarinas no primeiro Terra Rasgada (1995) e um memorável trabalho na rua sobre a morte das crianças da Candelária (1995). Participou da criação de troféus para os Festivais Curta Dança e Curta Teatro (1995 a 1999) entre outros inúmeros trabalhos.
Define-se quieta e gostaria de conhecer, entre outros locais, a França e a Espanha, pelas características artísticas, mas também a África e a Índia. O que mais a entristece é a miséria. Queria colaborar com a mudança dessa situação, pois gosta muito de gente.
Ela é a arte que produz, sua extensão e detalhes. A mulher de voz baixa, que se alegra com a brisa do mar. Lulé Castilho transpira arte pelos poros e ao nos referirmos a ela, difícil estabelecer qualquer fronteira entre obra e vida, criatura e criador. Ela é criadora e criatura, como se a arte, manhosa e temperamental, dela tivesse se apossado e a ela tivesse escolhido para que a cada obra, surja a artista, renovada. É a menina que boiava no mar, sonhando ser sereia. Alguém que transforma o que toca em vida, a mulher que jamais sonhou ser artista, mas foi escolhida para mostrar que a vida está na criação de outra existência através do jogo, do sonho, do eterno que nos chega, ultrapassa e humaniza.

Míriam Cris Carlos

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http://www.cruzeirodosul.inf.br/acervo/2007/09/28/20070928-ela-24550.shtml
Notícia publicada na edição de 28-09-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ela

Letícia Barreto: em busca da essência


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Letícia começou a desenhar ainda criança
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Ela é professora - e gosta de ensinar

“Ser artista é matar um leão por dia, quem continua é porque realmente ama o que faz”

No ar gracioso e tímido da menina miúda, de voz baixa, o sorriso franco materializa o significado do nome: alegria. Ana Letícia Barreto se constrói no gosto pela arte. Desenhar e pintar são qualidades descobertas desde que se percebeu gente, quando, ainda criança, ia à casa da tia, onde se encantava com livros de história da arte e desenhos. Foi também a tia, professora de arte, uma das primeiras a incentivá-la. A brincadeira de sonhar e dar vida a imagens tornou-se mais séria entre os 12 e 13 anos, quando começou a fazer charges e caricaturas. Gostava de assistir aos telejornais ou ver notícias nos impressos para expressar as suas indignações desenhando.
A vontade de aprender mais sobre a técnica do desenho levou-a a um curso na Casa da Cultura (atual Oficina Cultural Regional Grande Otelo), com o professor Ismael dos Santos, que vinha de São Paulo e dava aulas de histórias em quadrinhos, as HQs. A partir daí moldava-se nela a arte como ofício, pois após um ano de curso, tornou-se assistente do professor. Foi assim que iniciou a carreira e também foi o primeiro contato com a arte-educação. Letícia percebeu que gostava de dar aulas, atividade a que se dedica até hoje e que é também sua principal forma de administrar as contas, apesar de já ter trabalhado com ilustração de camisetas, apostilas escolares e ilustrações publicitárias. Ser artista é matar um leão por dia, quem continua é porque realmente ama o que faz, afirma. Enfrentando leões, inclusive os interiores, a artista cresceu e, abandonado o ninho, voou, ganhou mundo. Hoje ela se define como arte-educadora e artista mixed media, ou seja, utiliza várias técnicas e suportes tais como a pintura, a escultura, a colagem e a fotografia. Passa, mais uma vez, temporada na Europa, trabalhando.
O jeito ‘zen‘ de Letícia Barreto combina com seu gosto por praticar yoga e caminhada. Apaixonada pelas artes em geral, menciona ‘Cinema Paradiso‘, filme metalingüístico em que o protagonista declara seu fiel e incondicional amor ao cinema, e ‘O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, elogio à leveza, ao singelo e ao simples. Paul Valéry afirma que ler é escolher. As escolhas de Letícia são comunhão de afinidades. Ao nos oferecer estas referências, ela nos acena com um pouco dela mesma. É a meiga Amélie de Jeunet, na sua feminilidade delicada e algo contida, criando vida por onde passa, mostrando que amar a arte de criar é amar o mundo, os homens que nele habitam e os mistérios que inventam. Homem e mundo, inexplicáveis, traduzidos na arte que ela, Letícia, produz e que ao dividir com o seu público, multiplica-se. Recriar como forma de entender o impossível, o que não se explica. Outro filme mencionado por Letícia é ‘As Bicicletas de Belleville‘, animação cuja beleza visual enche os olhos da poesia da cor e do traço, muito íntimos da artista.
Por seu esforço, dedicação, talento e seriedade, por acreditar na verdade daquilo que realiza, conseguiu bolsa de estudos pela Fundação Rotary Internacional e estudou Artes Plásticas no Instituto Lorenzo de Medici, em Florença, Itália. Participou desde 1992 de mostras coletivas e individuais, nacionais e internacionais. Da experiência internacional ela ressalta não apenas as novas formas de ensinar e os conceitos que aprendeu, além do desenvolvimento de novas técnicas, mas, sobretudo a vivência, a experiência adquirida e valiosíssima para sua transformação pessoal.
Ministra cursos de desenho e pintura em seu Atelier (Atelier Letícia Barreto), que em 2007 completou 15 anos e nasceu como ‘Estúdio de Arte HQ‘. No início era oferecido o curso de histórias em quadrinhos, mas com o tempo ela aprendeu e pôde oferecer outros cursos, como pintura, e firmar parcerias também com outros profissionais que davam aulas de escultura, moda, entre outros. Letícia Barreto realiza esporadicamente oficinas de desenho e pintura em espaços culturais e em projetos sociais da cidade, atividades que vêm auxiliando na descoberta de talentos e na formação de inúmeros jovens que, a partir do aprendizado e do incentivo dela recebidos, descobrem-se em profissões diversas ligadas às artes e à comunicação, como publicitários, designers, roteiristas. Quando se trata de mencionar uma referência da cidade, na produção de histórias em quadrinhos, na produção de fanzines, Letícia é sempre mencionada. Segundo ela, as histórias em quadrinhos despertam a consciência crítica do jovem, pois se trata de uma arte muito completa, que usa linguagem verbal e o desenho, o que pressupõe a necessidade de habilidades múltiplas. Também com as HQs o jovem é instigado a pensar o seu universo e a sua cultura, a fim de dar-lhes forma, já que Letícia não acredita na reprodução acrítica de conteúdos e formas, mas na assimilação das técnicas e em sua conseqüente adaptação ao contexto cultural em que o produtor está inserido.
Ao avaliar o incentivo à produção de arte em Sorocaba, especialmente às artes visuais, Letícia ressalta que um grande problema para os artistas sorocabanos é encontrar lugares para expor os trabalhos. Para ela, as opções são poucas e as dificuldades, grandes, já que alguns trabalhos necessitam de espaços muito específicos. Ela relembra o ‘auge‘ da Oficina Cultural Grande Otelo, quando se podia observar uma nova exposição a cada semana ou a cada quinzena. Para ela, entretanto, a própria classe artística é também responsável por essa carência de espaços, já que não existe união entre os grupos que produzem, tampouco reivindicações para a concretização de melhorias.
 Talentosa e dedicada, acredita em dedicação e não apenas em talento e que todas as pessoas têm capacidade para aprender a desenhar, pintar ou esculpir, pois criatividade também se desenvolve através da prática. Letícia destaca, além da função estética, a função política da arte, importante para ‘abrir a mentalidade das pessoas, despertar consciência crítica, ampliar a cidadania‘. No projeto ‘Identidade Perdida‘, sobre o universo feminino, a maturidade da mulher reflete-se na da artista e da obra. Ali está o que Barreto considera uma paranóia, a supervalorização da imagem em detrimento da verdadeira essência da pessoa. Para se encaixar nos padrões que a mídia, a sociedade, a religião e a educação nos impõem, deixamos de lado quem realmente somos e acabamos nos tornando apenas imagens expostas em exibição. Projeto ousado, corajoso, instigante, que nos leva à crítica da imagem e seu poder de nos devorar.
A aparente fragilidade de Letícia Barreto, imagem, é engodo para os nossos olhos. Sua força está em seu amor pela arte. Enquanto somos cada vez mais devorados pelas imagens que criamos e devoramos, nas imagens produzidas por Letícia somos devolvidos à nossa essência.

Míriam Cris Carlos


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Notícia publicada na edição de 05-10-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ismenia Rogich, mover e comover

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Quando pequena, dentro de casa, pegava a toalha de renda da mesa da sala e saia dançando por todos os lados, até na calçada

Branca, leve e aparentemente inacessível, etérea, com sua cabeleira de fogo e a voz cândida. Absurda e tardiamente, era a primeira vez em que a via dançar, na Oficina Cultural Grande Otelo, década de 90, quando ela já se tornara uma espécie de entidade da dança. Pulsava em comovente movimento. Ali havia paixão, ou como declarou Andréia Nhur, ‘um manancial‘ onde se poderia encontrar vida, sedução, inspiração. A aura poética que a envolvia era de uma força tão imensa que causava medo. Era um vulcão flamejante em ritmo, e a platéia, em hipnose, acompanhava o par mágico e uníssono, nos corpos que pareciam milimetricamente ensaiados, racionalmente, engenharia, como a de João Cabral para a poesia, na busca da forma perfeita.
A bailarina havia arquitetado em minúcias a poética para os corpos no espaço, desafiando espaço e corpo, transbordante de sensualidade e natural, como se aqueles movimentos sempre tivessem pertencido àqueles seres e lugar, associados, ao mesmo tempo, ainda que paradoxalmente, a uma espécie de improviso, capaz de surpreender, primeiramente, aos bailarinos que o realizavam.
O vulcão que vimos dançar naquele dia era Maria Ismenia Rogich Vieira, nascida sob o signo de leão, no dia 1 de agosto, em Sorocaba. Quando pequena, dentro de casa, pegava a toalha de renda da mesa da sala e saia dançando por todos os lados, até na calçada. Como tinha problemas respiratórios, o médico recomendou ballet, e os pais resolveram colocá-la nas aulas de Janice Vieira. Ismenia questiona se escolheu a dança ou se foi escolhida por ela, pois desde os sete anos de idade não deixou de dançar um ano sequer de sua vida. Os momentos mais deliciosos de que se recorda em sua infância estão relacionados à dança. Lembra com muito carinho a mãe bordando brilhos e lantejoulas nas suas fantasias e o pai, seriíssimo, construindo uma varinha de condão toda trabalhada para sua primeira apresentação como fada, na academia de Janice Vieira. Lembra-se de quanto seus pais foram maravilhosos, sempre apoiando no caminho que escolheu.
Declara que Sorocaba lhe é muito querida, amor herdado do pai, Rogich Vieira, que estudou a cidade e a amou como poucos. Tem dois irmãos que sempre estiveram ao seu lado nos momentos bons, ‘e nos menos bons também‘, afirma; Marcos Rogich, casado com a Regina, que embora mais novo cuida dela como irmão mais velho e Márcia, casada com Humberto Merighi (eles têm uma filha, Renatinha).
Entre as memórias inesquecíveis, destaca o tempo em que dançou no Ballet Stagium, com cerca de 100 espetáculos por ano, viagens por todo o território nacional e por vários países do mundo. Não é à toa que entre as pessoas que admira cita Marika Gidali, do Stagium, por sua força, por toda sua luta, pelo seu trabalho. Inesquecíveis para Ismenia, também, as realizações do Terra Rasgada Cia de Dança, que atuou no cenário da dança de Sorocaba durante nove anos e a criação do projeto de dança que deu início ao Núcleo de Danças da Fundec, dirigido por ela durante 4 anos, com muitas apresentações das crianças.
Ismenia não se esquece de quando o Wilson Vieira, então presidente da Fundec, aceitou a idéia de colocar fundo preto e cortinas, transformando o espaço de apresentações num palco com coxias, como num teatro. Porém dentre as coisas mais valiosas, ressalta a descoberta de que a família é o mais importante de tudo. Por conta da profissão, não se dedicou tanto quanto acha que deveria aos filhos, aos pais, à família e agora está recuperando o tempo perdido. Além do amor aos filhos, lembra outras pessoas muito queridas como sua madrinha, Maria Geralda, o tio Dito e agora o companheiro, Wilson Caveden, que, segundo Ismenia, tem uma trajetória de vida semelhante à dela, no sentido de dedicação profissional. Encontraram-se aos cinqüenta anos de vida. Hoje, a mulher madura, que conversa com Nossa Senhora Aparecida, para quem ela reza antes de entrar em cena, está descobrindo coisas boas da vida, permitindo-se provar novos sabores, que passaram despercebidos por conta dos constantes cuidados com a alimentação, necessidades de bailarina. Apesar do cuidado ainda existir, a rigidez hoje é um pouco menor. Também está aprendendo com Wilson, o companheiro, a viajar e passear.
Brinca que teve dois filhos únicos. Leonardo foi filho único até 7 anos e depois nasceu o Gabriel, que foi filho único enquanto Leonardo morou no exterior. Para dar o nome de Leonardo, pensou em da Vinci. Classifica o filho como ‘um leão bravo com coração de manteiga e cabeça no mundo‘. Ele, como a mãe, é leonino. Gabriel, nome escolhido porque, afirma a mãe, ‘ele sempre teve carinha de anjo, desde nenê. Anjo sapeca‘. Gabriel a acompanhou durante alguns anos nos espetáculos, trabalhando no som. Hoje é baterista e para ela os dois são ‘lindos‘.
Com os alunos, já foi mais rígida, muito mais exigente, pois achava que todos deveriam ser trabalhados para serem bailarinos profissionais. Agora leva a dança como algo que deve ser sentido e apreciado sem traumas. Acredita que não são todos os alunos que seguirão carreira, mas que, de qualquer forma, a dança é importante na vida das pessoas. Entretanto, suas relações com a arte não se limitam à dança. Gosta de música e ouve de Vivaldi a Slipknot, passando por MPB e as músicas do filho. Sempre gostou muito de ler, desde criança, o que lhe caísse nas mãos. O pai tinha coleção de romances e livros históricos e a mãe, livros de poesias. Gosta muito de biografias, a do Charles Chaplin, da Liv Ulman, Isadora Duncan, Nijinski. Relembra um filme de Bergman que assistiu há muito tempo, ‘A Flauta Mágica‘.
Sobre suas realizações, orgulha-se do fato de ter contribuído no ensino da dança com várias pessoas que atuam na área, como Ana Paula Tavernaro, que dança no Ballet Stagium; Luciano Martins, da Companhia Sociedade Masculina, em SP; Marcio Grillo, professor do Studio 3, em SP; Andréia Nhur, que dirige o KD; Cibele Nolé, formanda em Dança em Curitiba; Ednaldo Brasil, do Jazz Brasil de Indaiatuba; Wanderley Silva, do Ballet de Cerquilho; Horacio Neto, da academia Aplauso; Viviane Guerreiro, da Estação Dança de Salto; Arilton Assunção, diretor do Faces Ocultas Cia de Dança de Salto; Alessandra Moreau, professora de dança em Porto Feliz e tantos outros que seguiram por esse caminho. Ismenia acha que plantou ‘sementinhas de dança por aí‘.
Atualmente dá aulas em Sorocaba, na Academia Arte e Dança Regina Claro; no Colégio São José de Porto Feliz; no Jazz Brasil de Indaiatuba; na Estação Dança de Salto; para a companhia Faces Ocultas de Salto e está na direção artística e como professora e coreógrafa do Corpo de Baile Cidade de Salto. Está totalmente voltada para o desenvolvimento do Corpo de Baile Cidade de Salto, ‘que está em fase de renovação, nova geração de bailarinos e bailarinas, todos muito jovens, mas muito motivados‘, conclui. Nesse novo elenco está um bailarino de Sorocaba, John Lennon, que começou com Ismenia aos nove anos de idade e tem agora 17 anos. A prefeitura de Salto dá todo apoio e toda liberdade para o trabalho, que estreará em dezembro.
Para ela, a dança está inserida em sua vida de forma definitiva, é sua forma de expressão, não há como separar, e quem a vê dançar ou mesmo caminhar pelas ruas (lembramo-nos de uma cena distante e poética em que ela caminhava alegre, de mãos dadas com o filho, ainda pequeno, no centro de Sorocaba), percebe que não há qualquer possibilidade de separação entre a vida e a arte do movimento, ela se movimenta com arte, mesmo no cotidiano e insere o cotidiano na arte. Conta-nos que a inspiração, para ela, surge de maneiras inesperadas, nunca é igual. Um dia, no café da manhã, conta que estava distraída, olhou para a tv e viu figuras se movimentando de maneira interessante, então perguntou aos filhos, ‘que ballet é esse???‘, e um deles respondeu, ‘mãe, aloou, não é ballet, é rebelião da Febem. Ismenia começou a prestar atenção e surgiu uma coreografia. Abençoados olhos, que conseguem ver a luz e a poesia até no movimento dos rebelados. Abençoada Ismenia, que nos comove com seu movimento pela vida.

Míriam Cris Carlos



http://www.cruzeirodosul.inf.br/acervo/2007/10/12/20071012-ela-29299.shtml
 
Notícia publicada na edição de 12-10-2007 do Jornal Cruzeiro do Sul, editoria Ela

Ela

Luciana Lopez, por um gesto de gentileza

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Possui a sensibilidade poética de converter em palavras a beleza e a simplicidade das flores que adora. Ela é rosa, delicada, complexa, luz.

Era uma menina, ainda, linda, longilínea, ávida por aprender, conhecer e realizar. Em um longo projeto de literatura realizado em 2000 pela Oficina Cultural Grande Otelo, lá estava a moça, presente a todas as discussões, com os olhos curiosos, muito abertos e atentos. Foi uma das primeiras a encarar o desafio de escrever poemas nos tapumes que circundavam o Mercado Municipal, na época, em reforma. Já se destacava nela a qualidade prestativa de perceber o quanto poderia ser útil em qualquer situação e de não negar ajuda antes mesmo que fosse solicitada.
Luciana Rodrigues Lopez, a Luciana Lopez, nasceu em Sorocaba, no dia 21 de dezembro, mas toda sua infância transcorreu em Votorantim. Estudou no Colégio Santa Escolástica, desde a alfabetização. Lá, era amiga das noviças e das professoras, das quais já chamava atenção por seu jeito comunicativo e maduro. Formou-se em Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso), ofício que divide com atuação no comércio.
Meticulosa, exigente e curiosa. Em uma viagem à Argentina, aproveitou para entender sobre produção vinícola, cultura, alimentação e moradia. Crítica, perfeccionista, generosa, coloca-se por inteiro nas coisas a que se dedica, sejam profissionais ou pessoais. O capricho e o zelo com que organiza dados se assemelha à forma delicada de levar um bolo delicioso quando convidada à casa de alguém, ou mesmo quando sai pelos estúdios da rádio Cruzeiro FM, colocando óleo nas portas que rangem, distribuindo balas ou chocolates para tornar mais doces os momentos de trabalho.
A persistência é outra virtude que se salienta. Ousada, vai à luta e nunca se curva diante das primeiras dificuldades. Aceita desafios sem pestanejar, como, por exemplo, o de produzir a segunda temporada do ‘Arteiras‘. Impressionante a capacidade que possui de, no transcorrer das entrevistas, extrair o melhor dos entrevistados, trazendo à tona dados curiosos, relevantes e desconhecidos. Atravessa madrugadas envolvida em pesquisas e textos. Não faz distinções e repudia quem se alia ao preconceito. Acredita no ser humano como agente transformador e sem perceber transforma a vida daqueles que com ela convivem. Autêntica, contraria-se com rótulos e se mostra como é, convivendo bem com uma absurda diversidade de personalidades e grupos.
Acaba de realizar um dos seus grandes sonhos: conhecer Brasília. Para quem já saiu do país, sonhar com a capital demonstra o quanto Luciana está ligada a coisas simples e fáceis de serem realizadas. Fotografou, inclusive, os trabalhos dos jornalistas na sala da CPI do Apagão Aéreo. A fotografia é outra de suas predileções.
Há quase dois anos, entrega-se de corpo e alma a um projeto de jornalismo: o Provocare FM, programa cultural veiculado pela Rádio Cruzeiro FM. Uma de suas mais marcantes passagens pelo Provocare, aliás, deu-se ano passado, por ocasião da campanha eleitoral. Luciana gastou muita sola de sapato correndo atrás dos políticos que vieram à cidade, abordando-os em relação aos planos que tinham para o desenvolvimento cultural. As indagações sobre a cultura nos programas de governo dos candidatos acabou por pautar veículos nacionais, como o Fantástico, que levou a resposta dos candidatos dadas à jornalista para o ar. Foi também com o Provocare, em uma reportagem com a Apae, que conquistou o terceiro lugar do Prêmio Schaefler de Jornalismo sobre Direitos Humanos. É voluntária e responsável pelo programa radiofônico ‘Povo Marcado‘, realizado pelas internas da Cadeia Feminina de Votorantim. Atual editora e produtora da Revista Provocare, além de falar sobre o assunto cultura, tem atuado na área cultural, pois vem desenvolvendo trabalhos em audiovisual e teatro, com Marcelo Domingues, além da produção em um documentário com Werinton Kermes.
Com tantas e tão diversas atividades, ainda lhe sobra tempo para dar atenção aos que ama, enviando mensagens, sorrindo, brincando, ‘puxando orelha‘. Dona de um humor irônico e sagaz, escreve textos divertidos que nos fazem rir por horas, só de lembrá-los, e também possui a sensibilidade poética de converter em palavras a beleza e a simplicidade das flores que adora.
Ela é rosa, delicada, complexa, luz. Estar ao lado de Luciana nos torna melhores, por que nos faz mais preocupados e atentos com as emoções do outro. Seu cuidado com as pessoas com quem convive multiplica a geração de gentilezas, de pequenos gestos de carinho tão esquecidos, mas tão necessários. Ainda tão menina, Luciana é capaz de nos ensinar, todos os dias, que a vida espera nosso sim, que cuidar uns dos outros é transformar um pouco o mundo, e que a vida fica muito mais leve com o riso e com gestos de delicadeza.

Míriam Cris Carlos
Colaboração: Rodrigo Gabrioti

Com o projeto ‘Arteiras Sorocabanas‘ segunda temporada), assim como na primeira versão, procurou-se valorizar e homenagear o relevante trabalho das mulheres artistas de nossa cidade. Como idealizadora do projeto, espero que ele não pare por aqui, pois entendo a arte como manifestação maior da cultura, como elemento de transcendência e de comunhão entre os homens e o Cosmos, daí a importância destas mulheres, representantes de muitas outras artistas, que igualmente merecem todo reconhecimento e homenagens. Agradeço a oportunidade de trazer ao leitor um pouco da vida destas mulheres. Agradeço a todas as artistas e produtoras culturais da cidade, da região e do mundo, por acrescentarem sentido à vida, infinitamente mais bela, graças à existência da arte.


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