27 de fev. de 2013

Sobre filhotes e seus vôos



Gazeta de Votorantim - 23/02/2013

Míriam Cris Carlos[1]

A cena inusitada pôde ser vista da varanda.  Estava pousado em um galho frágil do abacateiro, e era desengonçado e feio. As penas pareciam uma despenteada cabeleira de quem acabara de acordar. Outra ave, maior e bem-composta, vinha e batia-lhe as asas com força. Ele se grudava com mais vigor no galho, que sacolejava. O pássaro maior insistia. Batia-lhe uma, duas, três, meia dúzia de vezes. O pequeno feioso parecia inabalável em seu intento de permanecer ali, apanhando.
De repente, talvez percebendo que os sopapos não adiantariam, o pássaro passou a dar violentas bicadas no menor: pelas costas, no pescoço. Até que outro pássaro grande pousou. O que batia, passou a vez. Será que vai apanhar de dois, agora? pensei... Mas o segundo limitou-se a aproximar-se e a dar bicadinhas de leve, que pareciam carinhosas, tendo em vista a atitude violenta do primeiro. Em seguida, o segundo pássaro levanta vôo e passa a observar de perto o primeiro, que retorna à pancadaria.
Não sou especialista em comportamento de pássaros, mas percebi que o que apanhava era um filhote, e que aqueles que batiam - um com mais vigor, o outro quase que na tentativa carinhosa de dar uma força - possivelmente eram os pais. E o que poderiam querer, batendo e empurrando o filhote que acabara de nascer? Talvez fazê-lo voar.
Foi esta a minha conclusão. Devia se tratar de uma primeira lição, que dizia: você deve deixar o ninho e aprender sozinho a voar. Esta é a condição da sua sobrevivência. Sem o vôo, será fatalmente vítima dos predadores. Não será capaz de buscar seu próprio sustento. Não poderá repetir o ritual de seus pais e ensinar um filhote a ganhar céu.
E por isso, os pais eram mais duros que carinhosos. Porque instintivamente sabiam que nem poderiam deixar o filhote para sempre no ninho, tampouco poderiam carregá-lo nas costas.
Penso que a lição dos pais pássaros serve para nós, humanos. Às vezes temos que ser duros com nossos filhotes - ainda que contra a nossa vontade. Quando estes não querem voar por conta própria, é preciso dar um empurrão, mesmo que isto exija firmeza, e, com o risco de um tombo, que pode até machucar, mas que ensinará que o vôo, como a própria vida, requer independência.
Por mais que doa, é necessário, pois com a autonomia vêm a liberdade, o autoconhecimento e a segurança para poder voar mais alto.


[1] Professora e pesquisadora do Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba - UNISO.

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