3 de out. de 2013

INFORMATIVO NUPEP

 Informativo Nupep - 2013 -  Págs.8 e 9




A PERSONALIDADE - Dinâmica e ao mesmo tempo com jeito tranquilo. Sorridente, segura de si, firme ao se colocar. Fala sobre a educação e a sociedade deixando transparecer sua preferência pelas coisas simples.
Questiona situações, assume posições em que acredita, mesmo “sendo acusada de dispersão” como no caso relatado sobre um projeto de pesquisa pleiteado junto a FASESP.
Roteirista, produtora cultural, é também graduada em Letras, especialista em Teoria Literária, Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica e pós doutora em Comunicação Social. Míriam Cris Carlos é nossa entrevistada.

SUAS IDEIAS 

Qual o sentido que você encontra na profissão de professora e por que escolheu a formação inicial em Letras?

A minha formação se deve muito a uma professora de Português que me deu aulas de literatura e redação, no curso técnico em alimentos, na escola Rubens de Faria e Souza, a Diva Hubner. Uma pessoa especialíssima que, inclusive foi escolhida a paraninfa da turma. Um modelo de professora e também de ser humano, realmente muito querida.
Eu sempre gostei muito de ler, escrever, tudo que estivesse associado à literatura, língua portuguesa e sempre tive bastante facilidade. Até então eu não sabia se queria ser professora. Eu transitava por várias áreas, trabalhava inclusive na área de alimentos, desde o primeiro semestre e poderia ter seguido, mas a Diva Hubner foi o grande estímulo, sua influência acrescentou muito a minha vida. Eu queria seguir algo parecido e também queria tentar significar para alguém o que ela significou para mim, por isso segui Letras.
Logo que me formei, lecionei na escola Rubens de Faria e Souza onde estudei e tentei passar para os alunos a paixão que eu tinha pela literatura e vi ali uma realização muito grande e multiplicar a paixão se tornou o significado de me tornar professora, fazer com que outros também se apaixonassem pelas letras.

Ao lecionar Literatura, como avalia a relação dos alunos com os livros, quando o comum é apenas o aluno ler os resumos das obras para provas ou vestibulares.

 Ler resumos ou filmes é um sintoma que já mata a obra que poderia acrescentar alguma coisa maior na vida do leitor. Outro problema que acontece também é o equívoco de se indicar livros errados na hora errada. Quando se oferece Machado de Assis num momento inoportuno para um jovem, você corre o risco de matar um futuro leitor por uma leitura precoce.

O que você está chamando de momento oportuno, é a maturidade do aluno?

A maturidade do aluno. Indicar Machado de Assis para um aluno de 7ª série, como D. Casmurro, onde há referência a Otelo, de William Shakespeare, ao filósofo Nietzsche. Esse aluno não vai entender nada. Precisaria do professor como guia relacionando o que Shakespeare fala sobre o ciúme, de Desdêmona e Otelo.
Na formação de leitores também é fundamental o papel da família. Quem dá acesso aos livros tem mais chances de formar filhos leitores. Agora o professor, principalmente de português/literatura é um guia, uma espécie de facilitador no encontro dos alunos com a leitura. O problema é que existem lacunas na formação de professores; alguns são mal formados ou não gostam do que fazem. Mas hoje tem muita gente lendo, eu acredito que foi a internet que mudou isso. Ela tem mecanismos muito mais que promovem, do que desestimulam a leitura. Há muita gente fazendo blog, escrevendo, ferramenta que também pode ser usada para a leitura. Então, tem o papel da família, do professor para que esse leitor surja. E a prática; porque leitura é prática, hábito.

Para alguns autores, como Castro Alves, poesia se tornou um instrumento para expressar problemas sociais e políticos da época. No seu caso, suas poesias têm uma finalidade específica, um objetivo também?

Nem sempre; vivi fases. De vez em quando faço alguma coisa e depois dou para alguém musicar. Eu gosto muito de experimentar com a linguagem e, para isso, qualquer tema é válido. Às vezes faço coisas para o meu filho, para o marido, coisas sociais também, inquietações próprias. Não tenho um alvo específico, depende muito do que estou passando naquela instância da vida.

Como professora universitária, como vê a produção científica dos alunos? Por exemplo, no TCC – trabalho de conclusão de curso - o aluno é obrigado a fazer muitas citações. É quando ele cita o que outros pensam, mas o que ele pensa não conta. Logo, o TCC prioriza a repetição e não a criação de ideias?

 Essa é uma crítica que muitos acadêmicos recebem, não só em relação ao TCC, mas mesmo num mestrado, ou doutorado. Eu dou aula no mestrado em comunicação e adotamos um livro chamado “Teorias da Comunicação”onde o autor fala justamente disso; que num mestrado você deve criar novas teorias porque vivemos hoje um mundo muito diferente do que o mundo que o Adorno viu na teoria Crítica, que é uma das teorias mais usadas na comunicação.

Qual o processo que seria correto no mestrado?  

Criar novas teorias para interpretar o mundo e é exatamente o que a gente não deixa. Quando o aluno faz o trabalho e vai para a banca, a primeira coisa que se cobra dele é quem ele citou. Quem autoriza?  
 De um lado a gente estimula a expansão do conhecimento e de outro desestimula a criatividade. Existe esta repetição sim. O que seria o correto que a reavaliação dessas teorias fosse um meio para permitir um avanço de coisas novas. Em relação aos TCCs, como eu dou aula no curso de designer, os alunos fazem muitos trabalhos teóricos aplicados. Mas, faz muita falta mesmo esse espaço para se criar. A gente estimula, incentiva e fala de criatividade. Eu dou aula de percepção e criatividade e, às vezes, eu falo para os meus alunos: isso é justamente o que vocês não vão poder fazer na indústria, na agência de publicidade, nos jornais, porque as pessoas não têm relação com um certo grau de subversão, desestabilização, desconforto. Nem todos aceitam desestruturar para fazer alguma coisa nova e reestruturar. Ficar no mesmo é mais seguro.

Você acha que conseguiu esse espaço criativo na produção de suas teses?
Em alguns momentos sim. Por exemplo, uma coisa que eu não faço é optar por uma única teoria. Dialogo com várias. Eu já fui acusada de dispersão pela FAPESP quando pleiteei bolsa num projeto de pesquisa, porque eles disseram que eu falava de muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. Mas, eu não quero falar de um único objeto de pesquisa pelo resto da minha vida. Eu trabalhei no meu mestrado com Oswald de Andrade, no doutorado também e depois quero coisas novas. Mas, eu seria mais valorizada, academicamente, se eu continuasse com Oswald de Andrade porque seria uma especialista naquele objeto. Mas, não é o meu caso; tem hora que falo da televisão, tem hora que falo do rádio. É mais sofrido, é mais difícil inclusive para conseguir bolsa.

O seu programa na rádio Cruzeiro FM, se chama “Provocare”. “Provocare” significa causar, logo, quer causar algo no ouvinte e completando essa intenção, “porque ouvir é diferente de escutar”. Você diria que o homem precisa aprender a ouvir?
 Eu acho fundamental. Tenho um colega muito querido que pesquisa a cultura do ouvir e fala que nós ouvimos cada vez menos. Nós vivemos numa era de poluição visual, estamos cercados por imagens de todos os lados e isso significa, de alguma forma, cegueira, porque tem muito e a o mesmo tempo não tem nada. Do ponto de vista da audição é a mesma coisa, a gente ouve muita coisa, mas vivemos numa velocidade frenética. As pessoas não se ouvem mais umas as outras, mesmo uma música, quando ela me toca profundamente eu tenho que parar tudo para ouvir. A gente precisa parar, ouvir, dar atenção, ter um tempo para digerir e responder ao outro. O que se vê é um falando e outro já falando em cima e não se consegue mais esse tempo para assimilação do que se ouve.

Houve um período da História, em que o homem era privado do conhecimento, era alienado por que não tinha informação. Hoje, com a globalização, ele tem acesso a muita informação. Ele não é mais alienado?
 Tem aí duas formas de alienação: o não acesso é uma, o excesso de informação também é outra forma de alienação, porque fica difícil escolher a informação que faz sentido. Então, do que me adianta ter na internet a possibilidade para ler dois milhões de livros; como eu faço para escolher o livro certo? Nós vivemos numa era de excesso de opções, até mesmo quando eu vou ao supermercado,cesso. A gente anda cada vez menos e tem cada vez mais sapatos. Há um estímulo muito grande para o consumo desenfreado, e as pessoas têm de trabalhar mais para comprar mais coisas, aumentar os espaços porque não cabe tudo. Antes as pessoas casavam e tinham um guarda-roupa. Tinha a porta do homem e a porta da mulher e, hoje, cada um tem o seu closet. Você tem tudo e ao mesmo tempo não tem nada e, o que é mais precioso, a gente deveria ter tempo e acaba não tendo.

O Facebook é uma amostra fragmentada da comunicação: a pessoa coloca lá sobre religião, a outra coloca sobre política e cada uma coloca o que quer e as pessoas não se falam. É difícil ver lá alguma discussão, algo que tenha começo, meio e fim. No Facebook, nós podemos ver uma amostra do processo da comunicação atual?
Eu acho que sim, ele tem a cara do contemporâneo fragmentado, muito superficial, com a função mais de vitrine do que de discussão. As pessoas estão ali mais para mostrar do que para discutir.
Eu não acho boa aquela ideia do curtir todo mundo que está ali porque quer ser curtido. Este mesmo amigo que tem o estudo sobre a cultura do ouvir diz que de perto as pessoas são horríveis porque a gente tem uma série de defeitos. Então, o que você tem no facebook é uma pessoa editada. Ela coloca o que é interessante de se mostrar. Você coloca só o seu lado legal. É fácil lidar com isso como é fácil estar conversando com alguém e quando você enjoa simplesmente desaparece. Agora no face a face não dá tão facilmente. Então, essa comunicação face a face, corporal, é muito mais complexa porque envolve mais.

 A gente fala de comunicação e já lembra daquele desenho feedback emissor e receptor.
 O emissor e receptor trocam de papel o tempo todo. Ciro fala o seguinte: nossa característica não é a da comunicação é a da incomunicabilidade. Nós somos criaturas extremamente incomunicáveis, então o que a gente faz é ficar tentando, criando aparatos para comunicar alguma coisa. Ele fala que comunicação é só aquilo que transforma o Eu e o outro; quando o processo acontece é igual um vendaval que quando passa muda tudo. Se você se sentiu tocado, transformado por alguma coisa e o outro também, houve comunicação. Então, para ele, o Facebook não é necessariamente comunicação, nem a novela, nem o bom dia que alguém deu para alguém de forma automática. Isso seria mais um processo de passar alguma informação; não comunica alguma coisa.

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