Míriam Cris Carlos
O que leva alguém à pesquisa, o que me levou à pesquisa, é uma pergunta que continuará sem resposta
O que leva alguém à ciência, à pesquisa? Como se percorre o caminho da construção de saberes, da investigação de objetos das mais variadas áreas, da paixão pelo método, pelo ensaio e erro, pela retomada, desistência, resistência, mudança de percurso quase findo, que se vislumbra novamente inicial, infinitamente? Estas questões recorrem quando reflito sobre as minhas próprias escolhas. Pesquisar não é fácil. O trabalho é exaustivo. As exigências são enormes. O preparo requer constância, disposição, abdicação. Não são raras as vezes em que família, amigos, lazer, horas de sono ficam para trás, enquanto se persegue um objeto fugidio. Ainda assim, com todos os percalços, a pesquisa é uma dentre as atividades mais apaixonantes às quais me dedico. E é ela que me toma: quando leio, quando vejo TV, quando cozinho, quando ouço uma canção e, no meio da noite, quando acordo de algum sonho estranho. Cada vez que inicio uma nova pesquisa, penso na Biblioteca de Babel, conto de Jorge Luís Borges. O bibliotecário, dedicado e amoroso, insiste em catalogar livros em uma biblioteca infinita, que detém todo o saber universal. Quanto mais ele busca apreender o universo da biblioteca, mais se certifica de que está perdido e de que o trabalho exaustivo não terminará jamais. Pensa em estabelecer um mapa para guiar a leitura das obras da biblioteca. Não há mapa possível. Não há como se guiar. E não há um percurso que se complete. Ao iniciar um livro, somos levados a outro, que leva a outros dois, que leva a outros dez, infinitamente. A Biblioteca de Borges poderia ser a metáfora do processo de investigação. Quanto mais procuramos, mais nos perdemos. Quanto mais conhecemos, maior a certeza de que ¿todo o conhecimento é impossível¿, nas palavras do poeta e pensador Octavio Paz. O que leva alguém à pesquisa, o que me levou à pesquisa, é uma pergunta que continuará sem resposta. Talvez uma pista seja a necessidade de fazer perguntas. Penso que os professores que mais tocaram minha existência foram aqueles que me obrigavam a fazer perguntas, que perguntavam comigo, que me respondiam com outra questão, não aqueles que me traziam as respostas prontas. É a curiosidade de desvelar o mundo que nos leva à pesquisa. E quando pensamos que algo foi finalmente revelado, outro algo se re-vela, ou seja, apresenta outro aspecto para ser explorado. Ao ler O Nome da Rosa, de Umberto Eco, sofri tremendamente por aproximadamente 70 páginas. Ao ler o Posfácio ao Nome da Rosa, livro no qual Umberto Eco, por meio da metalinguagem, explica o processo de criação usado para escrever o romance e seus possíveis modos de leitura, descobri que estas páginas que me fizeram sofrer eram uma espécie de iniciação para adentrar à Abadia, principal espaço em que ocorre a história do livro. Eco explica que aqueles que não ultrapassarem estas primeiras páginas não poderão entrar na Abadia e conhecer a história, não poderão viver o mundo e a experiência proporcionados pela escrita de Eco, completada no leitor. O que me fez insistir na leitura? Curiosidade. Perguntas. A mesma curiosidade que me faz ir até o final com um filme difícil, mas que me apresente indagações. O quê? Por quê? Como? O que acontece no final, se é que há um final? Quem serei eu depois disto? E se valeu a pena? Como valeu. Nas descrições da Abadia e suas pinturas, assim que entrei finalmente na história, vivi a experiência transformadora de estar onde jamais poderia senão por O Nome da Rosa. Assim, continuo todos os dias a perguntar. A começar pela questão: é isso mesmo que eu quero para mim? Pesquisar? E junto, saborosamente, o método científico, para disciplinar minha busca por respostas, o conhecimento tácito, o senso comum, que propicia o hábito, que deve ser testado e que nos fornece o necessário contato com o cotidiano e, por último, a arte, que é uma possibilidade complexa do real, recriado, transformado pelo artista. Faço minhas as palavras do professor Doutor Jorge Albuquerque Vieira, inspirado em Edgar Morin: vivemos um mundo complexo, o que exige adaptação e nos torna continuamente mais complexos. Arte é conhecimento complexo, portanto, não é supérflua, não é dispensável, é uma estratégia de sobrevivência. Em um mundo cada vez mais complexo, que possamos continuar a perguntar, na tentativa de diálogo. E entre os diálogos possíveis, fundamental o que se dá com a arte, forma de conhecer por meio da experiência, que não se separa da ciência e tampouco do cotidiano.
Míriam Cris Carlos, Doutora em Comunicação e Semiótica e professora do Mestrado em Comunicação e Cultura da UNISO. (miriam.silva@prof.uniso.br)
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