26 de jun. de 2010

"A poesia é o erotismo da linguagem"

Notícia publicada na edição de 26/06/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno E
 Daniela Jacinto e Maíra Fernandes



Percorrer os caminhos grafados de forma erótica pelo escritor Oswald de Andrade na obra ¿Memórias Sentimentais de João Miramar¿ foi o que fez a pesquisadora, poeta e professora Míriam Cris Carlos durante mais de dez anos para poder decifrar os enigmas que ora velavam e ora revelavam-se em sua linguagem. O resultado desse estudo é o livro ¿A Pele Palpável da Palavra - A Comunicação Erótica em Oswald de Andrade¿ que Míriam lança hoje, às 16h, no recém-inaugurado Chalé Francês.
A pesquisadora afirma que Oswald de Andrade criou em seus textos mais do que obras literárias curiosas. ¿Oswald criou um espaço, o espaço do prazer¿, ressalta. Por conta disso, Míriam afirma que ¿Memórias Sentimentais de João Miramar¿ é um texto para se degustar, ler em voz alta. ¿O escritor reúne nessa obra poesia, romance, carta, notícia de jornal, efemérides, anúncio de falecimento, enfim, ele se utiliza das mais variadas formas de comunicação para fazer literatura e é isso o que chamou a minha atenção.¿ Conforme Míriam, que identificou vários traços de erotismo em ¿João Miramar¿, Oswald de Andrade procurou sensibilizar o leitor por meio da palavra. ¿A imaginação é o agente que move o ato erótico e o poético¿, completa, citando Octávio Paz. Ainda de acordo com a pesquisadora, a poesia é subversiva, desestabiliza, provoca estranhamento, tudo o que o erotismo também faz. ¿A poesia supersensibiliza o ser humano, é o erotismo da linguagem, da palavra. O erotismo é compreendido aqui como o despertar dos sentidos e não necessariamente da sexualidade, é o hiperbolizar das sensações¿, explica, usando como exemplo o excesso do barroco por parte do escritor: ¿E tia Gabriela sogra granadeira grasnou graves grosas de infâmias¿. Nesse caso, o signo torna-se a própria voz da tia granadeira através do uso repetitivo dos fonemas, ¿g¿ no encontro consonantal com o ¿r¿. No texto de Oswald de Andrade, conforme ela, que pode ser considerada especializada no autor, quanto mais se desnuda, mas tem o que ser revelado. ¿Ainda acontece comigo de pegar algum trecho e notar algo que não havia percebido. Não é um livro fácil de se digerir.¿ Em alguns casos é possível notar um erotismo mais voltado ao lado sexual: ¿E meus olhos morenos procuraram almoçar os olhos de prima Célia¿. Ou outro caso: ¿E tínhamo-nos juntado no grande doce e carnoso grude dum grande beijo mudo como um surdo¿. Aqui, observa Míriam, é interessante reparar como Oswald trabalha o pretérito mais que perfeito referindo-se ao beijo em Rolah. Outro ponto que o livro analisa é a personificação dos nomes dos personagens, como o da esposa de Miramar, que Oswald nomeia de Célia Cornélia. ¿Ela ganha esse nome porque é predestinada à traição.¿ Tem ainda o próprio Miramar, que - conforme Míriam - é aquele que mira o mar, que mira amar. ¿É a inconsequência, o anti-herói que arrisca-se às suas paixões sem o menor bom senso.¿ Já Rolah, amante de Miramar, como o próprio nome aponta, dá vida a uma personagem exuberante, roliça, sensual. ¿Isso mostra o quanto Oswald caminha do lírico ao escrachado tranquilamente.¿
 

Semiótica

  ¿A Pele Palpável da Palavra¿, que Míriam lança hoje, é resultado da pesquisa que a autora desenvolveu para sua dissertação de mestrado. Esse trabalho teve origem no primeiro livro que entrou em contato para suas pesquisas sobre Oswald de Andrade: ¿Memórias Sentimentais de João Miramar¿. O romance foi publicado pelo escritor em 1924 e é considerado uma das mais importantes obras do movimento modernista brasileiro. Este mesmo livro é que deu origem a um minucioso processo de pesquisa, que resultou também na tese de doutorado defendida por Míriam (o resultado desse trabalho foi a publicação, em 2008, do livro ¿Comunicação e Cultura Antropofágicas Mídia, Corpo e Paisagem na Erótico-Poética Oswaldiana¿). O embasamento teórico que utiliza é grande. São 15 páginas de bibliografia. ¿A base foi a técnica poética de Augusto e Haroldo de Campos, e Décio Pignatari, que têm em seu cerne a semiótica. Também busquei relações intertextuais além da palavra para entender o texto e descobrir de que maneira Oswald se relaciona com outros meios de comunicação que não o impresso para construir a obra. É possível notar que ele usa do cinema, das artes plásticas, fotografia, e da própria paisagem brasileira, então o que ele faz em Miramar não é uma história de enredo, é uma história de linguagem. A história em si é banal, o que vale é o processo de linguagem que ele usa, que é extremamente complexo¿, esclarece. Como não se trata de um texto fácil, o livro de Míriam pode ser lido antes de ¿Miramar¿, já que pode servir como uma espécie de guia para o livro de Oswald de Andrade. ¿É a minha leitura da obra dele. O que faço é pontuar alguns detalhes para conduzir o iniciado em Oswald de Andrade.¿ O título escolhido para seu livro - ¿A Pele Palpável da Palavra¿ - é uma tentativa de dialogar com a obra de Oswald. ¿Queria que tivesse um pouco da linguagem dele. É uma tentativa de aproximação, uma ousadia¿, diz. Neste dia do lançamento, o público poderá apreciar uma instalação da artista plástica Lúcia Castanho sobre o tema erotismo. Míriam Cris Carlos é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, roteirista, produtora cultural e professora do Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso). 
 
SERVIÇO - 

O Chalé Francês fica na av. Afonso Vergueiro, em frente à Estação Ferroviária. Entrada gratuita. O livro, publicado pelas editoras Provocare e Eduniso, tem 160 páginas e pode ser adquirido a R$ 30. A capa da obra é um desenho da artista plástica Lúcia Castanho, com design de Carla Salles. O prefácio é da pesquisadora Luisa Paraguai e o texto de orelha é da jornalista Luciana Lopez. 

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