27 de mar. de 2011

Classificados mostram parte da cultura social

Notícia publicada na edição de 27/03/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 003 do caderno E

 "(...) os classificados que produzimos vendem, compram, publicam e promovem elementos pertencentes a dois universos, o da necessidade e o do desejo", reflete Míriam Cris Carlos - Por: ERICK PINHEIRO/ARQUIVO JCS

É possível entender um pouco, pelo menos uma parte, da cultura de uma sociedade, a partir dos anúncios classificados, conforme Míriam Cris Carlos, doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e professora do programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso). "A sociedade, como explica Edgar Morin, é constituída de duas facetas: uma prosaica e outra poética. O prosaico se compõe das urgências do dia a dia: comer, trabalhar, se locomover, morar. O poético é constituído por uma segunda realidade, também necessária para equilibrar a da dimensão prosaica: a arte, o sonho, a magia, a religião, os mitos são uma segunda realidade, segundo I.Bystrina. Por conta disso, os classificados que produzimos vendem, compram, publicam e promovem elementos pertencentes a dois universos, o da necessidade e o do desejo", reflete.

Entretanto, observa Míriam, as necessidades prosaicas mudam com as mudanças sociais, espaço-temporais, tecnológicas. "Hoje, no lugar das carroças, precisamos dos carros. E com os carros, toda uma amplidão de produtos associados agora ao carro e não mais à carroça: no lugar de ferreiros, trabalhadores do couro, cuidadores de animais, temos o lava-rápido, os acessórios para o carro, som, calotas, ar-condicionado e seus respectivos profissionais. Seguros, blindagens, películas para revestir os vidros denotam uma indústria calcada em uma sociedade do individualismo, da violência, da insegurança, só para dar um exemplo. Vilém Flusser afirma que o homem é os objetos que produz", afirma.
Ainda de acordo com Míriam, o mundo prosaico expressa uma sociedade sem tempo: vende-se comida rápida porque as pessoas cozinham menos em casa. Há "maridos de aluguel" porque hoje a configuração familiar também se transformou. "Há casais homossexuais, mulheres sozinhas com seus filhos, solteiros e solteiras que vivem sós e sem tempo. Os maridos já não têm tempo para os reparos na casa, misturaram-se suas funções com as das mulheres, eles pegam os filhos na escola, compram comida congelada para esperar as esposas que chegam tarde do trabalho", diz.
Toda essa nova configuração social se dá paralelamente em meio a um universo poético, mítico, mágico, que continua sendo uma necessidade permanente, expressa nas graças publicadas aos santos, nos agradecimentos às forças divinas, nas ofertas de premonição do futuro e em tantos outros elementos que reconfiguram o desejo. "As necessidades mudaram e os desejos também. O que não muda é o fato de que o homem permanece, além da necessidade de viver e sobreviver, a despeito da mudança da sociedade, desejando, sonhando, imaginando", conclui. 

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