Por Míriam Cris Carlos
As mídias funcionam como janelas. São responsáveis por
indicar, exibir, tornar público - fazer ver a realidade, ou melhor, parte desta
realidade, aquela parcela de real que uma janela permite ver. É assim,
funcionando como janelas para o mundo exterior, que as mídias permitem conexões
com realidades diversas, sem que se tenha, necessariamente, presenciado esta
realidade.
Cabe a estas conexões possibilitar trocas culturais,
especialmente quando permitem que se possa entender o outro em sua
singularidade. E é justamente pelo fato de haver realidades e práticas
distintas daquelas a que estamos acostumados em nosso dia a dia, que podemos avaliar a nossa própria
identidade, comungar com aqueles que se assemelham a nós, compartilhar gostos e
ideologias mas, especialmente, entender o outro como diferente e digno do mesmo
respeito dos que nos são iguais, porque é a partir da diferença que, ao mesmo
tempo, reforçamos a nossa identidade e aprendemos a entender o mundo de forma
menos mesquinha, ao acrescentar um dado de novidade ao nosso conhecimento. Cabe
às mídias fornecer a possibilidade de um pensar complexo, que permita a
pluralidade e afaste a intolerância.
Norval Baitello Júnior, professor e pesquisador da PUC
de São Paulo, explica que estamos separados do outro por abismos imensos.
Cruzar o abismo representa uma enorme ousadia, pelo fato de que não sabemos ao
certo o que (e quem) vamos encontrar do outro lado, como seremos recebidos, se
seremos aceitos ou repudiados, se encontraremos afeto ou ódio.
Mídias, segundo o professor Baitello, são pontes que
ligam o "eu" ao "outro". São tentativas de romper o enorme
abismo que nos separa, o que não é pouco, e faz pensar na imensa responsabilidade
daqueles que dominam os meios de comunicação.
Como vivemos em uma sociedade globalizada, na qual a
comunicação, cada vez mais rápida, faz repensar as noções de tempo e espaço,
trazendo, dos lugares mais distantes, informações em tempo real, estamos acostumados
a olhar para cada vez mais longe. Ao olhar a realidade em contexto mundial, não
é raro que passemos a desconhecer aquilo que acontece na porta de nossas casas.
A atuação das mídias envolve diversas esferas da
cultura, incluindo-se a política e a
mercadológica. Os meios de comunicação se configuram como indústrias,
funcionando a partir de uma lógica do lucro ou da simples sobrevivência e
continuidade, por isso, quase todos os veículos se concentram em baratear
custos, reproduzindo aquilo que as
agências de notícia fornecem e, ainda, atendem a uma demanda por audiência, que
passa pela veiculação do sensacionalismo e da violência, quando não do puro
entretenimento, associado à publicidade, que na maior parte das vezes preza a
quantidade de público em detrimento da qualidade da informação. É quando o
papel das mídias passa a ser o da manutenção e da banalização da violência, da
intolerância e do preconceito. É quando ela serve para o exercício privilegiado
do poder e à difusão de conteúdos rasos, que ao invés de promoverem a cultura,
servem para anestesiar as audiências.
As tecnologias da informação avançam em quantidade e
facilidade de uso, fazendo de cidadãos comuns repórteres, articulistas,
comentadores e produtores de notícias. E
como vivemos em um país de contrastes, neste quadro de facilidades
comunicativas, é enorme o número de pessoas sem acesso a qualquer forma de
tecnologia da comunicação. Ainda há uma multidão de analfabetos funcionais e
digitais e uma enorme parcela da população sem voz, sem um dos direitos básicos
e que possibilita a garantia de outros direitos, o direito de se expressar.
É neste contexto de enorme complexidade que nasce a
Gazeta de Votorantim. Qual o seu papel, em um momento em que muitos jornais
deixam de existir ou se transformam consideravelmente, tendo-se em vista os
avanços da internet como veículo de informação? Deve ser, acreditamos, o papel
de um jornal local, da comunidade, feito para e por esta comunidade.
No documentário Encontro com Milton Santos, Sílvio Tendler,
diretor e roteirista brasileiro, aponta para a necessidade de se fortalecer a
comunicação local, comunitária, pois em meio a tanta informação global, sobra
pouco espaço para o local. Esta deve ser a missão da Gazeta de Votorantim:
fornecer parte da realidade local, criticá-la, fazer pensar a respeito dela e,
desta forma, promover a transformação desta realidade, tão próxima e tão pouco
avaliada. Por utilizar uma tecnologia acessível, a do impresso em papel, vem
também como a manutenção de um formato de fácil acesso, sobretudo àqueles que
não se adaptaram (ainda) às tecnologias digitais.
Resta desejar vida longa à Gazeta de Votorantim. E que
ela possa cumprir o seu papel de janela, mas de uma janela para o próximo, o
bem próximo, o vizinho, que, muitas vezes, é completamente estranho e
desconhecido e está a uma distância mais abismal e intransponível do que a do
conflito na Síria.
Míriam Cris Carlos é professora e pesquisadora do
Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, UNISO.
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