27 de jan. de 2013

Jornal: janela para o outro, tão próximo e tão distante

Gazeta de Votorantim  - 26/01/2012



Por Míriam Cris Carlos

As mídias funcionam como janelas. São responsáveis por indicar, exibir, tornar público - fazer ver a realidade, ou melhor, parte desta realidade, aquela parcela de real que uma janela permite ver. É assim, funcionando como janelas para o mundo exterior, que as mídias permitem conexões com realidades diversas, sem que se tenha, necessariamente, presenciado esta realidade.
Cabe a estas conexões possibilitar trocas culturais, especialmente quando permitem que se possa entender o outro em sua singularidade. E é justamente pelo fato de haver realidades e práticas distintas daquelas a que estamos acostumados em nosso dia a dia,  que podemos avaliar a nossa própria identidade, comungar com aqueles que se assemelham a nós, compartilhar gostos e ideologias mas, especialmente, entender o outro como diferente e digno do mesmo respeito dos que nos são iguais, porque é a partir da diferença que, ao mesmo tempo, reforçamos a nossa identidade e aprendemos a entender o mundo de forma menos mesquinha, ao acrescentar um dado de novidade ao nosso conhecimento. Cabe às mídias fornecer a possibilidade de um pensar complexo, que permita a pluralidade e afaste a intolerância.
Norval Baitello Júnior, professor e pesquisador da PUC de São Paulo, explica que estamos separados do outro por abismos imensos. Cruzar o abismo representa uma enorme ousadia, pelo fato de que não sabemos ao certo o que (e quem) vamos encontrar do outro lado, como seremos recebidos, se seremos aceitos ou repudiados, se encontraremos afeto ou ódio.
Mídias, segundo o professor Baitello, são pontes que ligam o "eu" ao "outro". São tentativas de romper o enorme abismo que nos separa, o que não é pouco, e faz pensar na imensa responsabilidade daqueles que dominam os meios de comunicação.
Como vivemos em uma sociedade globalizada, na qual a comunicação, cada vez mais rápida, faz repensar as noções de tempo e espaço, trazendo, dos lugares mais distantes, informações em tempo real, estamos acostumados a olhar para cada vez mais longe. Ao olhar a realidade em contexto mundial, não é raro que passemos a desconhecer aquilo que acontece na porta de nossas casas.
A atuação das mídias envolve diversas esferas da cultura, incluindo-se   a política e a mercadológica. Os meios de comunicação se configuram como indústrias, funcionando a partir de uma lógica do lucro ou da simples sobrevivência e continuidade, por isso, quase todos os veículos se concentram em baratear custos,  reproduzindo aquilo que as agências de notícia fornecem e, ainda, atendem a uma demanda por audiência, que passa pela veiculação do sensacionalismo e da violência, quando não do puro entretenimento, associado à publicidade, que na maior parte das vezes preza a quantidade de público em detrimento da qualidade da informação. É quando o papel das mídias passa a ser o da manutenção e da banalização da violência, da intolerância e do preconceito. É quando ela serve para o exercício privilegiado do poder e à difusão de conteúdos rasos, que ao invés de promoverem a cultura, servem para anestesiar as audiências.
As tecnologias da informação avançam em quantidade e facilidade de uso, fazendo de cidadãos comuns repórteres, articulistas, comentadores e produtores  de notícias. E como vivemos em um país de contrastes, neste quadro de facilidades comunicativas, é enorme o número de pessoas sem acesso a qualquer forma de tecnologia da comunicação. Ainda há uma multidão de analfabetos funcionais e digitais e uma enorme parcela da população sem voz, sem um dos direitos básicos e que possibilita a garantia de outros direitos, o direito de se expressar.
É neste contexto de enorme complexidade que nasce a Gazeta de Votorantim. Qual o seu papel, em um momento em que muitos jornais deixam de existir ou se transformam consideravelmente, tendo-se em vista os avanços da internet como veículo de informação? Deve ser, acreditamos, o papel de um jornal local, da comunidade, feito para e por esta comunidade.
No documentário Encontro com Milton Santos, Sílvio Tendler, diretor e roteirista brasileiro, aponta para a necessidade de se fortalecer a comunicação local, comunitária, pois em meio a tanta informação global, sobra pouco espaço para o local. Esta deve ser a missão da Gazeta de Votorantim: fornecer parte da realidade local, criticá-la, fazer pensar a respeito dela e, desta forma, promover a transformação desta realidade, tão próxima e tão pouco avaliada. Por utilizar uma tecnologia acessível, a do impresso em papel, vem também como a manutenção de um formato de fácil acesso, sobretudo àqueles que não se adaptaram (ainda) às tecnologias digitais.
Resta desejar vida longa à Gazeta de Votorantim. E que ela possa cumprir o seu papel de janela, mas de uma janela para o próximo, o bem próximo, o vizinho, que, muitas vezes, é completamente estranho e desconhecido e está a uma distância mais abismal e intransponível do que a do conflito na Síria.


Míriam Cris Carlos é professora e pesquisadora do Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, UNISO.

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