3 de fev. de 2013

A construção do espaço cultural



Gazeta de Votorantim - 02/02/2012


Míriam Cris Carlos


            O espaço serve para produzir afetos e identidades, mas também limites e poderes. Oferecer espaço para a cultura é produzir vínculos, porém, quase sempre, alguns segmentos ficarão dentro, e, outros, fora. Escolher o quê (e quem) entra ou sai é poder.
            A cultura, na concepção humanista, é escolarizada e hierarquizada em alta e baixa. Alta cultura é a acumulada por quem leu mais, frequentou mais galerias e estudou por mais tempo. Baixa cultura é a associada ao entretenimento e padronizada para o acesso das massas. No viés antropológico, cultura é modo de vida, envolvendo a culinária, o artesanato, a religiosidade, os mitos. Já a cultura das mídias se faz com os meios de comunicação, responsáveis por atualizar, distribuir e alterar os produtos culturais.
            Para Vilém Flusser, a comunicação e, acrescento, a cultura, são criações humanas, para nos fazer esquecer da nossa mortalidade. Construímos espaços de cultura porque sabemos que vamos morrer, e a cultura é o vínculo que nos faz permanentes, a memória que nos liga ao lugar, o lugar a nós e, uns aos outros.  
            O espaço cultural deve ser não apenas um território marcado por fronteiras, mas um vazio a ser preenchido com sentido. Deve servir para o encontro com o outro, para se compartilhar identidades e estranhamentos, para a troca de conhecimentos, além de deixar livre a imaginação para um universo povoado de sonhos.
            E como construir espaços de inclusão, sem validar apenas uma vertente da cultura, em um exercício de dominação? Devemos falar em espaços provisórios, não oficiais, o que passa por recuperar espaços desocupados: praças, galpões, prédios históricos, a rua, que podem vir a ser instâncias de vivência, nas quais se encontrem significados para além da própria casa e que ofereçam outros modos de convívio, a partir de muitos centros divergentes e convergentes, sem uma concepção exclusivista de cultura.
            Quanto mais lutarmos por estes espaços, mais daremos sentido à existência, tão incerta. Com os vazios ocupados por uma cultura plural, democrática e afetiva, e com a memória preservada e partilhada, poderemos nos considerar imortais.



Míriam Cris Carlos é pesquisadora do Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba.

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