Gazeta de Votorantim - 02/02/2012
Míriam Cris Carlos
O espaço serve para produzir afetos
e identidades, mas também limites e poderes. Oferecer espaço para a cultura é
produzir vínculos, porém, quase sempre, alguns segmentos ficarão dentro, e,
outros, fora. Escolher o quê (e quem) entra ou sai é poder.
A cultura, na concepção humanista, é
escolarizada e hierarquizada em alta e baixa. Alta cultura é a acumulada por
quem leu mais, frequentou mais galerias e estudou por mais tempo. Baixa cultura
é a associada ao entretenimento e padronizada para o acesso das massas. No viés
antropológico, cultura é modo de vida, envolvendo a culinária, o artesanato, a
religiosidade, os mitos. Já a cultura das mídias se faz com os meios de
comunicação, responsáveis por atualizar, distribuir e alterar os produtos
culturais.
Para Vilém Flusser, a comunicação e,
acrescento, a cultura, são criações humanas, para nos fazer esquecer da nossa mortalidade.
Construímos espaços de cultura porque sabemos que vamos morrer, e a cultura é o
vínculo que nos faz permanentes, a memória que nos liga ao lugar, o lugar a nós
e, uns aos outros.
O espaço cultural deve ser não
apenas um território marcado por fronteiras, mas um vazio a ser preenchido com sentido.
Deve servir para o encontro com o outro, para se compartilhar identidades e
estranhamentos, para a troca de conhecimentos, além de deixar livre a
imaginação para um universo povoado de sonhos.
E como construir espaços de
inclusão, sem validar apenas uma vertente da cultura, em um exercício de
dominação? Devemos falar em espaços provisórios, não oficiais, o que passa por
recuperar espaços desocupados: praças, galpões, prédios históricos, a rua, que
podem vir a ser instâncias de vivência, nas quais se encontrem significados
para além da própria casa e que ofereçam outros modos de convívio, a partir de
muitos centros divergentes e convergentes, sem uma concepção exclusivista de
cultura.
Quanto mais lutarmos por estes
espaços, mais daremos sentido à existência, tão incerta. Com os vazios ocupados
por uma cultura plural, democrática e afetiva, e com a memória preservada e
partilhada, poderemos nos considerar imortais.
Míriam Cris Carlos é pesquisadora do Mestrado em Comunicação
e Cultura da Universidade de Sorocaba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário