Gazeta de Votorantim - 20/04/2013
No contato com a Literatura,
especificamente com a poesia, podemos experimentar sensações que talvez fossem
impossíveis face a face com a realidade do cotidiano. A Literatura promove uma
suspensão do corriqueiro, permitindo a vivência de um estado outro, de um
universo paralelo que pode conduzir ao delírio e à fantasia, mas também à
crítica, à identificação, à reflexão e à consciência das coisas ao nosso redor.
Muitas
obras compõem o nosso imaginário e instalam-se em nossa existência como parte
de nossas memórias. Somam-se como parcela de conhecimento, pois apesar de seu
caráter ficcional, aquilo que produzem de emoção afeta diretamente o nosso
corpo, onde ficam registradas como subtextos: arrepios, sustos, risos, choros,
enlevo. Tudo isso é sentido com o corpo.
Também
com a Literatura é que podemos dar vazão aos muitos “eus” que estão em nós, seres
complexos, contraditórios e paradoxais. Somos humanos e imperfeitos, portanto
guiados pela incoerência, por mais que busquemos afinar a palavra com as ações
e o ideal com a sua concretização.
Ítalo
Calvino, em seu livro “Cidades Invisíveis”, relata as experiências de um viajante
por cidades imaginárias, às quais descreve, em detalhes. Dentre todas elas, uma
das que mais tocam fundo é Otávia, cidade-teia-de-aranha.
Otávia está suspensa
sobre um abismo. Seus habitantes transitam de um lado para outro, por meio de
cordas e pontes, feitas de materiais diversos. Todos os objetos necessários
para o dia a dia também estão pendurados, e devem ser usados com cuidado extremo,
pois, haja qualquer descuido, e o que estava às mãos rolará para sempre abismo
abaixo, de forma irrecuperável. Ao contrário do que possa parecer, os
habitantes de Otávia sentem-se seguros, pois sabem que a cidade pode desabar a
qualquer instante. São, segundo Calvino, mais cientes e mais tranqüilos do que
os habitantes de outros lugares.
Simples
assim. Qualquer segurança é ilusória. O que nos constitui é o provisório. O
problema é que nos esquecemos desta condição de não permanência das coisas – e brigamos
com nossa própria incoerência, tecida entre a vontade de eternizar e a suspeita
da contínua mudança. Se habitássemos Otávia por alguns instantes, ou se a
fizéssemos habitar em nós, olharíamos para as coisas – e para nós mesmos - com
maior generosidade; afinal, tudo pode desmoronar a qualquer instante.
Míriam Cris Carlos
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